Título: Longo caminho contra o preconceito
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 25/06/2005, Rio, p. A13
Amanhã, quando um arco-íris colorir a orla de Copacabana, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT) vão aproveitar para protestar contra a violência e discriminação. Segundo dados do Centro de Referência Contra a Violência e Discriminação ao Homossexual (Cerconvidh- RJ), apesar da fama de liberal, o Rio é o segundo estado do Brasil, depois de Pernambuco, em crimes de homofobia. O preconceito contra homossexuais chamou a atenção na pesquisa Política, Direitos, Violência e Homossexualidade, realizada durante a Parada do Orgulho GLBT do Rio no ano passado. De 624 entrevistados na passeata, 55,4% já haviam sido vítimas de ameaças, xingamentos e humilhações. - As paradas gays são os maiores fenômenos de massa urbana no país. No entanto, há muita contradição. O Rio é progressista publicamente, mas conservador na vida privada - avalia cientista política Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes.
No estudo da parada gay do Rio, pesquisadores do CESeC e do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam), da Uerj, além de militantes do Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual, registraram casos de discriminações e violência contra os GLBTs. Dos entrevistados, 18,7% disseram ter sofrido agressões físicas. Deste total, 22,5% eram gays, 33,3% transgêneros, 11,4% lésbicas e 8,3% bissexuais. Segundo a presidente da Associação dos Transgêneros do Rio (Astra-RJ), Hanah Suzart, no município, moram entre 4 e 5 mil travestis e transsexuais (transgêneros).
- Os transgêneros são mais agredidos porque têm maior visibilidade. Os gays vestidos de paletó e gravata e as lésbicas que usam salto alto estão, aparentemente, nos padrões da sociedade - explica a presidente da Astra.
Hanah conta que sofreu preconceito quando trabalhava, como professora, numa instituição particular. Para não ser demitida, ela teria que se vestir como homem. Segundo Hanah, a violência psíquica é maior que física. Ela cita o constrangimento de travestis e transsexuais, quando são chamados pelos nomes de homens nos postos de saúde e escolas.
- No Rio, as mesmas pessoas que recorrem aos travestis à noite, de dia dizem que esta raça tem que morrer. Em Copacabana, há casos de playboys que atiram balas de borracha e tinta contra os travestis - lamenta Hanah.
A pesquisa feita na passeata do ano passado mostra que os locais públicos são os mais citados nas agressões contra homossexuais: 58,5%. Em segundo lugar, aparece a casa com 15,1%. A escola ou faculdade representa 10% dos casos. Apesar das agressões, o estudo mostra que 42,1% dos entrevistados não comunicam as agressões.
- Não há sanção criminal para quem chama alguém de ''veado''. Por isso, poucos denunciam. Muitos não vão à polícia, temendo novas agressões dos policiais - comenta Silvia Ramos.
No ano passado, segundo dados do Disque-Denúncia Homossexual, do Cerconvidh-RJ, o serviço registrou 35 casos de extorsão policial contra homossexuais.
- Além de discriminar, os policiais sempre pedem dinheiro aos gays. Temos um dossiê que indica o envolvimento de policiais nas mortes de homossexuais - diz Yone Lindgren, coordenadora-geral do Cerconvidh-RJ.
De acordo com Yone, a instituição registrou 15 assassinatos de homossexuais no ano passado, mas, por falta de testemunhas, apenas sete se tornaram casos jurídicos.
- A população de rua homossexual é duas vezes mais discriminadas - lembra Yone.
Para protestar contra o preconceito, a Astra-RJ vai levar para a passeata de domingo uma faixa com a inscrição ''Travesti e respeito. Já está na hora de os dois serem vistos juntos na casa, na boate, na escola, no trabalho e na vida''. Segundo dados da passeata de 2004, as lésbicas e os transgêneros são as maiores vítimas de discriminação da família e amigos, 39,5% entre lésbicas e 37,5% dos travestis e transsexuais.
- A pesquisa mostra a questão cultural do que se espera de um homem e de uma mulher. Quando o homossexual é o amigo da família, tudo bem. Mas, quando ele é da família, parentes preferem não saber - comenta Márcio Caetano, do grupo Arco-Íris.