Título: Lembranças de Carlos Castello Branco
Autor: Abdias Silva
Fonte: Jornal do Brasil, 28/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Os leitores brasileiros conhecem de sobra o jornalista Carlos Castello Branco que, pela sua imparcialidade, objetividade, concisão e clareza impôs-se como o melhor colunista político de sua geração. Mas a estes predicados, que podem ser adquiridos nas escolas e no desempenho da profissão, temos que acrescentar uma virtude-mater - a integridade moral que o Castelinho, como o chamavam os amigos mais íntimos, trouxe do berço, ou melhor, foi adquirida no convívio com o seu pai, o desembargador Cristino Castello Branco, a quem os piauienses admiravam e respeitavam, por ser um juiz acima de qualquer suspeita, probo e honrado. Homem de poucos recursos, pai de família numerosa, ele ia diariamente para o Tribunal de Justiça de Teresina a pé. Além disso, era um intelectual, poeta sereno e sem grandes arroubos. Foi neste padrão que se mirou o futuro jornalista.

Conhecemo-nos em 1935, ele com 15 nos e eu com 17, uma amizade que já dura, portanto, quase 70 anos. Emprego o presente do indicativo porque entendo que a morte não elimina e nem afeta uma amizade verdadeira.

Logo nos tornamos amigos e tínhamos como terreno comum as veleidades literárias. Chegamos a fundar, com o apoio do diretor do Liceu Piauiense, professor João Pinheiro, a Academia Liceísta de Letras. Em pleno período de provas parciais, mediante as quais a gente podia passar de ano, Castello andava com o poeta Jorge de Lima e o romancista Graça Aranha debaixo do braço e eu, com o cronista Humberto Campos e o romancista Coelho Neto.

Decorridos cinco anos, tomamos rumos diferentes. Ele foi estudar direito em Belo Horizonte e eu me transferi para Porto Alegre, para trabalhar na Editora Globo, sob o patrocínio de Érico Veríssimo, com quem me correspondia. Mas continuamos nos comunicando, até que um dia, em 1967, vim para Brasília trabalhar sob sua chefia na Sucursal do Jornal do Brasil. Naquela época, o grande problema em Brasília era a moradia. Mas para mim havia um caminho.

Como fui destacado para o setor político do jornal, passando a cobrir a Câmara dos Deputados, podia assim pleitear um apartamento junto à 4ª secretaria. Pedi então a Castello um ofício formulando o pedido. Ele foi franco comigo. Dava-me o ofício, mas juntamente com meu nome teria que ir também o nome de Jair Cardoso, fotógrafo que estava nas mesmas condições que eu. Claro que as chances diminuíam o pedido sendo feito para dois e não para um apenas. E assim foi feito. Conto este episódio para registrar o senso de justiça de Castello. Sua intransigente integridade moral não podia admitir um fato de discriminação, favorecendo um pretendente por ser seu amigo de tantos anos, companheiro de aventuras literárias e compadre, pois sou padrinho de seu filho mais novo, o Pedro. Compreendi seu raciocínio e, afinal, os dois pedidos formulados no mesmo ofício foram atendidos.

Às qualidades que mencionei no início, devo acrescentar a impressionante facilidade de redigir que era uma característica sua. A Coluna do Castello, de 65 linhas, era escrita em menos de trinta minutos. Comentando com ele este fenômeno, tive a seguinte explicação. A coluna, na realidade, começava a ser ''escrita'' quando ele embarcava em seu fusquinha no estacionamento da Câmara dos Deputados, que então ele freqüentava diariamente. Quando chegava à sucursal do JB, a única coisa que ele tinha a fazer era colocar o papel na máquina e começar. Terminada a coluna, ele não a lia, pedia a alguém, geralmente a mim ou ao José Leão, que o fizesse para o caso de haver alguma incorreção, o que nunca acontecia.

Sua coluna tornou-se uma espécie de oráculo para os políticos, pois Castello tinha um grande acervo de informações, o que lhe tornava tarefa fácil preencher aquelas 65 linhas.

Certa vez, ele ficou bastante tempo no gabinete do deputado Martins Rodrigues, do então MDB e tido como informante, mas o deputado não lhe deu qualquer informação. Isto não foi problema. No dia seguinte a coluna saiu com o seguinte título ''O silêncio do deputado Martins Rodrigues'', que o próprio considerou excelente.

Ele não havia falado nada. Mas o acervo de informações do jornalista forneceu todos os elementos.

Para concluir, quero me referir ao Castello imortal, autor de alguns livros de contos e de um romance. Quando se elegeu para a Academia Brasileira de Letras, eu lhe transmiti o desgosto que teve a minha mulher, uma gaúcha, pelo fato de ele ter derrotado o poeta Mário Quintana.

- Diz à tua mulher, declarou ele, que eu me candidatei à Academia para derrotar o Ledo Ivo e não o Quintana, de quem também sou admirador.

Até hoje, ignoro que restrições ele tinha ao Ledo Ivo, que afinal foi posteriormente eleito.