Título: Organolama, prevaricação e mensalão
Autor: Deonísio da Silva
Fonte: Jornal do Brasil, 28/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Anuncia-se um mar de lama, mas a lama vem num tisuname de palavras, com algumas ondas recém-nascidas, como é o caso deste achado: organolama. O neologismo, que lembra organograma, representação gráfica de uma organização, está na mais recente edição da revista Veja. Provavelmente o criador da expressão ''mar de lama'' tenha sido Carlos Lacerda, para designar a corrupção no último governo de Getúlio Vargas, que terminou com o suicídio do presidente da República, o que, aliás, foi lembrado pelo ministro Aldo Rebelo quando começaram a espocar as denúncias que hoje já são uma trovoada.

O mar de lama é o contraponto do mar de rosas, que designa período de calma, de felicidade, na Espanha conhecido por ''mar de leche'' (mar de leite).''O barco sempre em mar de rosas, todo azul e tranqüilo como um lago suíço'', diz José Lins do Rego em Gregos e Troianos, expressando período de felicidade, como está abonado no dicionário Aurélio.

Desta vez fui à edição eletrônica e transcrevi o trechinho para evitar o tropeço da coluna de ontem, quando troquei o português Guerra Junqueiro pelo brasileiro Junqueira Freire, creditando, equivocadamente, A Velhice do Padre Eterno ao nosso Junqueira, quando é do Junqueira deles, o Guerra Junqueiro. O poeta catarinense Solange Rech, de Florianópolis, leu o JB ainda na Internet, e foi o primeiro a me corrigir. Em minha defesa, lembrei ao poeta, meu ex-colega de seminário, que gente boa dá seus tropeços.

Na mesma Veja, detectei citação incorreta de Millôr Fernandes ao transcrever versos das Sátiras de Juvenal, que os mais velhos, provavelmente caducos, afirmam tratar-se de poeta latino, mas os mais jovens têm certeza de que foi zagueiro do Vasco. E quando, já irritados, citamos o nome completo, Décio Júnio Juvenal, eles, pensando que falamos muito rápido, dizem que Décio ainda joga, mas em Portugal, e não é Júnio, é Júnior. Júnior Baiano, dizem, com aquela certeza que somente os jovens imodestos sabem ter. Os modestos passam pela estátua de Araribóia, em Niterói, tiram fotos, mas perguntam: ''quem foi esse aí?''. Pois é, é uma delícia ler o Millôr, é uma graça alcançada encontrá-lo na Galáxia Gutenberg e nas águas da Internet. Mas como errar é humano, até Millôr erra, como todos nós. Os versos de Juvenal, muito invocados por profissionais do Direito, são esses: ''Nulla fere causa est in qua non femina litem moverit'' (Quase não há causa em que a demanda não começasse por mulher''). Como bem diz Millôr, é o equivalente do francês ''cherchez la femme''. Aliás, nas denúncias recentes, já encontraram várias. Muito bonitas, têm o que dizer e parecem saber a hora certa de fazê-lo: quando abandonadas pelos denunciados.

Os leitores vão gostar é de prevaricação e mensalão. Quer dizer, gostar de saber. Mensalão passou de adjetivo a substantivo, já no grau aumentativo. Vem de mês, do latim mensis, que segundo o dicionário Houaiss remete a uma antiga raiz indo-européia que significava ''parte''.

Prevaricação vem de ''prevaricatione'', declinação de ''prevaricatio'', palavra latina formada a partir de ''varus'', designando aquele que tem as pernas tortas. O prevaricador não segue o reto caminho, faz como o bêbado, ora vai para a esquerda, ora para a direita, de todo modo sempre saindo do caminho direito.

Fiz o que pude para escapar às más notícias, mas, como acabam de comprovar, não foi possível. A enxurrada vem afetando a todos nós.