Título: Música na internet sofre golpe
Autor: Marcelo Nóbrega
Fonte: Jornal do Brasil, 28/06/2005, Economia & Negócios, p. A21

Numa decisão unânime, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as redes de troca de arquivos pela internet Grokster e Morpheus podem ser responsabilizadas pelos downloads de músicas, filmes e softwares de seus usuários sem pagamento de direito autoral. A decisão derrubou a anterior, de uma corte de apelos, que isentava as empresas de responsabilidade, já que as redes podem ser adotadas para uso legal. Agora, o caso volta a uma corte distrital.

- O argumento da responsabilidade indireta é forte, dado o número de downloads ilegais diários - afirmou o juiz David Souter.

- A vitória é histórica para a propriedade intelectual e boa para consumidores, artistas e inovação - disse Dan Glickman, presidente da Motion Picture Association of America, que representa Hollywood.

Com a decisão, encerra-se um capítulo na história da digitalização da cultura. Mas seus efeitos podem se estender além da pirataria.

Em 1999, Shawn Fanning criou o Napster para trocar músicas com um amigo e despertou o mundo para a tecnologia peer-to-peer (p2p). Ela usa a conexão de cada internauta para distribuir textos, fotos, música, vídeos, programas. Acabou com a necessidade de caros servidores para hospedar os arquivos e democratizou sua distribuição. Qualquer um pode publicar uma música ou filme e torná-los sucesso mundial, fora da distribuição corporativa.

Mas a rapidez do p2p é também o seu revés. Em instantes, um filme pirata é visto de Sydney a São Paulo. É isso que a indústria cultural quer evitar, ao processar cidadãos e empresas.

A decisão da Suprema Corte abalou outra, das mais importantes da história legal da tecnologia. Em 1984, o tribunal isentou a Sony de responsabilidade pela pirataria de filmes em videocassetes Betamax.

No embate entre fabricantes de aparelhos eletrônicos e a indústria cultural, a Universal Studios perdeu. Mais de 20 anos depois, a fronteira entre os mercados é tênue, com a mesma Sony fabricando os gravadores de CD que copiam os álbuns da sua divisão Sony BMG.

A responsabilidade de Morpheus e Grokster deve ser agora estendida a empresas que fabriquem aparelhos que permitam a cópia de arquivos protegidos por direito autoral - gravadores de CD, DVD, PCs, micros de bolso, celulares e o popular tocador de MP3, iPod, estão em risco. A tecnologia inanimada torna-se responsável.

- Abre-se uma era de incerteza entre os inovadores americanos - afirmou Fred von Lohmann, da Electronic Frontier Foundation, para a liberdade de expressão no meio digital.

Serviços legais de venda de músicas e filmes, como a iTunes Music Store, da Apple, se tornarão mais populares. Mas produtos como o iPod seriam alterados para só receberem arquivos autorizados por gravadoras e estúdios de cinema. A transferência de um CD legal, possível hoje, seria considerada ilegal.

Até mercados como o Brasil, em que a decisão da Suprema Corte não é válida, seriam afetados, ao receberem os produtos modificados. Os inventores de tecnologias que ultrapassem o limite definido pela indústria cultural poderão ser punidos.