Título: O Império de todos os mares
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Fonte: Jornal do Brasil, 29/06/2005, Internacional, p. A9
Em meio a disputas na Europa que lembram antigos rancores, a Grã-Bretanha iniciou ontem, em Portsmouth, as celebrações do bicentenário de Trafalgar, batalha na qual a frota, sob o comando do almirante Horatio Nelson, derrotou a armada franco-espanhola napoleônica liderada pelo almirante Villeneuve. O confronto, no qual os franceses perderam 22 de seus 33 navios e os britânicos nenhum, foi fundamental para que o Império Britânico impedisse uma invasão e obtivesse a supremacia no mar só superada pela expansão do poder dos Estados Unidos e da ex-União Soviética durante a Guerra Fria, nos anos 50.
A rainha Elizabeth II, a bordo do quebra-gelos HMS Endurance, passou em revista 167 navios de 35 países, com 30 mil marinheiros a bordo, na ''maior parada naval desde a II Guerra''. Em uma cena rara, alinharam-se os porta-aviões Charles de Gaulle (França), o navio de desembarque USS Saipan (EUA), o Príncipe das Astúrias (Espanha) e o HMS Illustrious (Grã-Bretanha). A algumas milhas, o veleiro brasileiro Cisne Branco, o Capitão Miranda (Uruguai) e o Glória (Colômbia), com tripulantes guarnecendo as velas, lembravam os participantes de um dos episódios mais importantes da história. Pelo menos 250 mil pessoas tomaram as praias para ver o espetáculo, que durou três horas. Dez mil veleiros completaram o cortejo.
- Dormimos no carro, porque não há nenhum quarto de hotel livre aqui - contou Betty Thompson, 80 anos, que veio do centro da Inglaterra com uma amiga. - É importante ver tantos navios de guerra de países diferentes em uma situação onde não estão combatendo uns aos outros - completou.
O ponto alto da festa foi o espetáculo com fogos de artifício e 17 veleiros, quando a noite caiu, no qual se recriou a batalha da qual Nelson saiu vitorioso, mas perdeu a vida. Para evitar ferir susceptibilidades em um momento delicado na União Européia, a marinha britânica não se referiu aos inimigos franceses e espanhóis, mas às esquadras ''azul'' e ''frota vermelha''. Alguns espectadores, como o escocês Toby McGuire, classificaram a decisão como uma ''traição''.
- Os franceses e espanhóis tiveram 200 anos para digerir que foram derrotados, não sei por que deve-se agora tentar minimizar a vitória - disse, classificando de ''ridículos'' os comentários do chefe do estado-maior da Marinha britânica, almirante Alan West, segundo o qual as comemorações, que irão durar meses, são ''uma celebração da importância do mar, e não devem ser marcadas pelo triunfalismo''.
A batalha de 21 de outubro de 1805 no cabo Trafalgar, perto de Cádiz (Sul da Espanha), acabou com mais de seis mil marinheiros mortos, incluindo Nelson. Além disso, o confronto foi muito ruim para Madri, ''dona'' dos mares durante três séculos e forçada a ceder a supremacia à Inglaterra. Também marcaria o início da derrocada de Napoleão Bonaparte, concluída na batalha de Waterloo, em 1825. O almirante, que contrariando os manuais militares dirigiu sua frota diretamente através da formação inimiga, morreu sem ver a vitória, vítima de um franco-atirador instalado no mastro da nau francesa Rédoubtable. A bala de mosquetão entrou pelo ombro, atingiu-lhe uma artéria pulmonar e a coluna.