Título: Um ministério para governar
Autor: Hélio Bicudo
Fonte: Jornal do Brasil, 29/06/2005, Outras Opiniões, p. A11
Nos momentos de crise política, as partes interessadas em manter um clima de incertezas costumam a acenar para a paralisia das ações governamentais. Uma anomia que estaria a requerer medidas heróicas.
Na verdade, porém, no sistema republicano democrático nem sempre o Poder Executivo precisa de uma base majoritária de apoio permanente no Congresso Nacional para cumprir seus programas que muitas vezes não podem prescindir do consenso da Casa de Leis.
A própria Constituição Federal, elaborada com a consciência de que nem sempre o presidente eleito terá maioria no Legislativo, contem instrumentos que permitem o pleno exercício da chamada governabilidade. O presidente não está amarrado ao Congresso, obrigando-se a sancionar todos os projetos de lei dele emanados. Para separar o joio do trigo, institui-se o direito de veto, parcial ou total. Para agilizar o processo legislativo aí estão as medidas provisórias que, editadas com moderação e sabedoria se constituem em uma ferramenta de trabalho de grande relevância. Aliás, a leitura do artigo 84, da Constituição, dá uma visão bastante clara do poder do presidente da República que, além do mais, oferecendo ao Legislativo medidas de real interesse popular pode, legitimamente, mediante atuação dos meios de comunicação, pressionar deputados e senadores a não fugirem, por quaisquer motivos que sejam, de suas atribuições enquanto representantes do povo, que são.
Esta, talvez, possa ser considerada uma discussão defasada, quando já entramos além da metade do mandato conferido pelo presidente Lula.
Com efeito, eleito presidente com mais de cinqüenta milhões de votos, o chefe da Nação estava em condições, deixando para trás uma prática tradicional mas que sempre implicou em desvios reprováveis, de governar com os partidos que o elegeram. Tratava-se de uma minoria, sem dúvida, mas experiente e combativa. E mais, o PT, a não ser com raras exceções, sempre que governou municípios ou estados, o fez contando com minoria nos Legislativos e nem por isso deixou de governar, porque nas propostas de interesse popular, sempre contou com mobilização capaz de vencer o conservadorismo das Câmaras.
O governo do PT em nível nacional não fez essa opção buscando alianças com agremiações partidárias que nem sempre corresponderam eticamente as responsabilidades inerentes às posições que assumiram.
A nossa história política está repleta de exemplos nada alentadores, dessa espécie de loteamento do poder que tem resvalado pelo maior desrespeito às nossas melhores tradições democráticas.
O resultado dessa prática aí está, pressionando o presidente da República para ações que muito provavelmente não são do seu agrado. Por que, então, não partir para uma atitude inusitada que irá reconfortar a confiança do país no seu magistrado e nos partidos que o levaram ao poder?
A escolha de ministros, e até cediço dizer, é da exclusiva competência do presidente. Isto evidentemente, não exclui que ele o faça considerando apoios partidários. Mas o importante é que a escolha seja exclusivamente sua, pois a confiabilidade é fundamental para que a máquina ministerial possa atuar com eficácia.
E acrescente-se que a minoria transforma-se em maioria no momento mesmo em que - mudando os rumos do barco - o apoio popular será decisivo para o empenho do País na busca de um desenvolvimento que atenda às suas carências sociais.
Mãos firmes no timão - e o presidente se quiser as tem - e a crise desenhada pela corrupção de alguns ir-se-á desfazendo, na medida do crescimento da confiança do povo na prática da ética na atividade política.
Hélio Bicudo é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Foi deputado federal por dois mandatos e membro do Diretório Nacional do PT.