Título: Um perigo invisível mora nos hospitais
Autor: Florença Mazza
Fonte: Jornal do Brasil, 29/06/2005, Rio, p. A14

Há quase dez anos, numa clínica particular de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, começava o drama da técnica de enfermagem X. Num procedimento normal, ela ajudava sua supervisora a tirar sangue de uma senhora com suspeita de câncer que, falecida dias depois, descobriu-se ter o vírus HIV. Depois de perder a veia da paciente, a enfermeira supervisora virou-se para pedir auxílio a X. e acabou furando sua mão com a agulha infectada. A técnica de enfermagem contraiu o vírus da Aids, assim como um médico do Rio, contaminado quando suturava uma parturiente, em 2001. Treinado para salvar vidas e curar doenças, o profissional de saúde é, não raro, vítima de contaminação, seja pelo vírus da Aids ou da hepatite B ou C. Nos últimos sete anos, foram nada menos do que 15 mil casos de contaminação em hospitais públicos e particulares do município do Rio. Os dados, do Sistema de Vigilância de Acidentes de Trabalho da gerência de DST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde, revelam o risco ao qual estão submetidos médicos, enfermeiros e funcionários de limpeza no seu dia-a-dia. Tema preocupante que será discutido hoje no 3º Encontro Nacional TSPV (Trabalhador Saudável - Paciente Vivo), na Fecomércio, promovido pela Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes (ABPA).

Dados do Ministério da Previdência e Assistência Social mostram que dos 390.180 acidentes registrados em 2003, 23.108 ocorreram com trabalhadores da área de saúde, colocando o setor no primeiro lugar do ranking. Segundo Cristiane Rapparini, técnica do programa de DST e Aids da secretaria, só no Rio são registrados, por mês, de 180 a 200 casos que envolvem risco de contaminação por material biológico. Mais de 350 estabelecimentos já informaram acidentes do gênero desde 1997.

- Dos 15 mil acidentes registrados, pelo menos 30% poderiam ter sido evitados com medidas banais - afirma Cristiane.

São três os tipos de exposição aos quais são submetidos os profissionais: corte por material perfuro-cortante (segundo dados da ABPA, as agulhas respondem por 40% dos acidentes); contato do sangue com a mucosa e com a pele não intacta. A contaminação ocorre com agulhas jogadas no lixo ou soltas em gavetas, ou quando o profissional, por estar longe do local apropriado para o despejo de material infectado, acaba se furando ao pôr a tampa na agulha.

Segundo Cristiane, os enfermeiros são vítimas de 50% dos casos de contaminação, seguidos dos médicos (18%), e estagiários ou funcionários de limpeza, que se revezam na terceira posição. Presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio, Rejane de Almeida conta que outro risco é a quebra de ampolas com medicamentos.

- Como temos que economizar material, não podemos usar a gaze para quebrar a ampola e acabamos nos ferindo - conta Rejane, acrescentando que por falta de óculos de cirurgia e jalecos descartáveis, volta e meia os enfermeiros são atingidos pelas secreções dos pacientes.

Rejane conta ainda que muitos enfermeiros estão constraindo tuberculose. Há ainda pelo menos seis casos de profissionais com queda nas taxas de glóbulos brancos por exposição excessiva a radiação. O mesmo ocorre com os médicos, segundo o presidente do sindicato da categoria, Jorge Darze.

- Em inspeção no PAM de Irajá, na semana passada, vimos que nenhum profissional do setor de radiologia usa o dosimetro, que mede as quantidade de radiação recebida. O mesmo poder público que cobra as normas de segurança no trabalho se omite quanto a seu cuprimento nas unidades - denuncia Darze.

Para o presidente da ABPA, Mauro Daffre, o setor de saúde está na ''Idade da Pedra'' no que diz respeito à cultura de segurança no trabalho.

- É um perigo invisível, que só mata as vítimas de acidentes cinco, seis anos depois. Só agora a sociedade começa a atentar para isso - afirma Mauro.

A falta de notificações de acidentes é outro problema, segundo Cristiane. Além do município do Rio, somente o Estado de São Paulo contabiliza os acidentes. De 1999 a 2004, foram cerca de 8 mil casos de risco de contaminação.