Título: Histórias de um padre engajado
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 22/10/2004, País, p. A-3

Quando vi a foto estampada na página A2 da edição de ontem do JB, não tive dúvida. Aquele homem careca, narigudo, sentado ao lado de uma mulher, era um velho colega de militância nas organizações sociais de Brasília no princípio da década de 80. Naquela época, estávamos fundando a Campo - Comissão de Articulação dos Movimentos Populares - e era comum recorrer ao apoio da Igreja São José Operário para rodar um panfleto e imprimir camisetas. A moda dos bonés e dos botons ainda não havia chegado por aqui.

Foi também nesse período que panfletos apócrifos foram distribuídos na porta da Paróquia São José Operário, na Asa Norte de Brasília e nas imediações da Faculdade Católica. O jornalzinho mostrava foto do padre Leopoldo Dastous ao lado da amiga Teresinha, supostamente numa sauna nas águas termais de Caldas Novas (GO).

Teresinha, uma leiga consagrada, e o padre ''Léo'', um canadense com sotaque francês, faziam trabalho de apoio aos movimentos sociais, contra a vontade do então arcebispo da capital, dom José Newton de Almeida Batista, morto em 2001, depois de completar 97 anos. Além de chefe da igreja de Brasília, o bispo era vigário-militar do Brasil, um cargo eclesiástico na hierarquia do Exército.

Era comum as portas da Paróquia se abrirem para manifestantes que vinham a Brasília. Eu recordo que em agosto de 1981, quando os padres franceses Aristides Camio e François Gouriou foram presos sob acusação de incitarem posseiros à luta armada em São Geraldo do Araguaia (PA), a paróquia São José foi a única a dar guarida em Brasília a um grupo de trabalhadores rurais da região do Alto Araguaia.

Eram uns 30 manifestantes. Eles se juntaram a 10 militantes de Brasília, que passavam a noite em vigília na igreja. Condenados um ano depois pela Justiça Militar, os dois padres foram soltos em dezembro de 1983. Na saída, celebraram a ''missa da liberdade'' para os manifestantes de esquerda ao lado do padre Léo, na paróquia São José.

Outro episódio que marcou muito o trabalho ''revolucionário'' de Leopoldo e Teresinha ocorreu quando o padre italiano Vitor Miracapillo foi expulso do Brasil. O religioso trabalhava no interior de Pernambuco e foi banido do país por ter se negado a celebrar a missa da Independência. Era setembro de 1980 e a Paróquia de São José Operário foi a única a ficar do lado de Miracapillo.

Além desse trabalho de esquerda, Teresinha e padre Léo davam aula num curso de teologia para leigos na Faculdade Católica. Era comum recorrerem à fotografia, em que foi recentemente confundido com o jornalista Wladimir Herzog, para dizer aos alunos que tudo não passava de uma montagem, feita por arapongas do extinto SNI (Serviço Nacional de Inteligência). Segundo a os dois, a ''montagem'' tinha o objetivo de incriminá-los junto à comunidade católica de Brasília.

Hoje, amigos ligados ao casal asseguram que vivem no anonimato e freqüentemente são vistos na fila da comunhão, na capela do Centro Cultural de Brasília, dos padres jesuítas.