Título: Fotos não são de Wladimir Herzog
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 22/10/2004, País, p. A-3
Abin conclui que imagens são de uma operação ilegal feita em 1974 pelo extinto SNI. Investigação foi pedida por Nilmário Miranda
O secretário de Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda (PT-MG), divulgou ontem uma nota dizendo que as fotos publicadas na imprensa durante esta semana não são do jornalista Wladimir Herzog, morto pela repressão em outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi, da rua Tutóia, em São Paulo. Na noite da última quarta-feira, o ministro havia solicitado à direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) um levantamento sobre as fotografias divulgadas no último domingo pelo jornal Correio Braziliense. A comunicação da Abin de que as fotos não são do jornalista foi feita ontem.
As imagens atribuídas a Herzog ainda vivo, nu e humilhado, na cela de uma prisão haviam sido retiradas de um arquivo da ditadura militar em poder da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Os documentos confidenciais foram entregues em 1997 pelo ex-agente do serviço de inteligência do Exército, cabo José Alves Firmino.
De acordo com a Abin, segundo a nota divulgada pelo ministro, ''as fotos seriam produto de uma investigação ilegal conduzida no ano de 1974 pelo antigo Serviço Nacional de Informações (SNI)''. Ainda de acordo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, informado sobre o fato, o ministro comunicou à Clarice Herzog, viúva de Wladimir Herzog, ''a quem transmitiu os sentimentos de solidariedade''.
A informação também foi levada ontem à tarde ao conhecimento do chefe da Casa Civil, José Dirceu, e do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
Por violar a vida privada dos fotografados, o ministro declarou-se impedido ''moral e legalmente'' de revelar os nomes das pessoas na fotografia. Conforme apurou o Jornal do Brasil, entretanto, uma das fotos - a terceira, em que um homem nu, de cabeça baixa, aparece ao lado de uma mulher - pode ser do padre canadense Leopoldo Dastous, ao lado da amiga Teresinha. Os dois davam aulas de teologia para leigos na Universidade Católica de Brasília no início da década de 80. Atualmente, amigos próximos ao casal dizem que ambos vivem no anonimato, embora não raro sejam vistos na capela do Centro Cultural de Brasília, dos padres jesuítas (leia mais abaixo).
As informações sobre o paradeiro do canadense, entretanto, são desencontradas. Até 1997, o padre Leopoldo Dastous era o pároco da Igreja São José Operário, localizada na via L2 Norte em Brasília. Procurados ontem pela reportagem do JB, nem a paróquia, nem a Cúria Arquidiocesana de Brasília souberam informar onde ele estaria. A informação era de que ele teria regressado ao Canadá onde, muito doente - supostamente com câncer - fora morar novamente ao lado da família. Contactada, a Embaixada do Canadá no Brasil por intermédio da responsável pela área consular, Maria Silva, disse não existir, hoje, registros sobre a presença do padre no país. A embaixada não soube informar se Dastous chegou a residir em Brasília ou no Brasil.
Um dos antigos amigos do padre, José Magalhães, diretor da Cáritas do Brasil em Brasília - organização da Igreja Católica no país - disse que há muito não tinha informações sobre ele.
- Fomos próximos mas faz quase 10 anos que não o vejo - disse Magalhães, sem saber informar se ele estaria morando aqui ou fora do País.
Apesar da identificação das fotos de Herzog pela viúva, Clarice Herzog, anteontem amigos próximos e o deputado federal Fernando Gabeira (sem partido-RJ), preso e exilado político durante a ditadura militar, já desconfiavam da autenticidade das fotos atribuídas ao jornalista. Segundo o deputado, dois elementos o intrigavam. Primeiro, não seria hábito misturarem mulheres e homens nas celas. Depois, porque um dos princípios dos torturadores do regime seria o de tirar a noção do tempo dos presos a fim de acentuar ao máximo o sofrimento. Numa das fotos atribuídas a Herzog, ele aparecia com um relógio no pulso direito.