Título: Lucas queria ser desenhista
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 30/06/2005, Rio, p. A15
No sábado, Lucas Batista, 15 anos, cortou o cabelo com a tia, como fazia todos os meses. No domingo, ouviu pela Rádio Brisa, estação da comunidade, as duas músicas que a namorada, Carolina, havia dedicado a ele. Na segunda-feira, morreu durante um tiroteio entre traficantes e policias na favela da Rocinha. Sempre que escutava fogos de artifício na favela, sinal de que a polícia estava subindo o morro, Lucas evitava sair de casa. Provavelmente não ouviu o sinal do perigo quando subiu à laje para desligar a bomba-d' água. Foi atingido por fragmentos de um projétil, que o acertaram no rosto e provocaram uma hemorragia.
Lucas costumava acordar às 9h30, tomava café da manhã e subia para varrer o terraço e as escadas do prédio de 5 andares no qual morava com os pais, tios, três irmãos e 14 primos. Às 12h30 se encaminhava para o Ciep Ayrton Senna, onde cursava a 8ª série. Voltava às 17h30 a tempo de assistir sua novela preferida: Malhação.
Vaidoso, ficava horas em frente ao espelho penteando o cabelo para o lado e o bigode, que mal havia nascido. Gostava de usar camiseta pólo abotoada até o pescoço, bermudas e sandálias. Abandonava tudo por um bom prato de arroz, feijão e ovo. Gostava de futebol e sonhava em ser desenhista.
- A única coisa que queremos agora justiça - disse Telma, tia de Lucas, no intervalo do depoimento prestado à polícia durante a tarde de ontem.
A família tem certeza que o tiro fatal partiu da polícia.