Título: Consumo mortal
Autor: Marcelo Itagiba
Fonte: Jornal do Brasil, 30/06/2005, Outras Opiniões, p. A13

O combate desencadeado pelo governo do estado do Rio de Janeiro contra o tráfico de drogas tem sido comprovadamente eficiente. Contudo, o êxito definitivo das ações destinadas ao desmantelamento das quadrilhas, à suplantação da explosão da violência e à retomada da paz, principalmente na capital, onde se avolumam os índices de criminalidade, jamais será alcançado enquanto alguns da elite continuam inalando o pó da cocaína e tragando a fumaça da maconha em escalas cada vez mais alarmantes.

Nos últimos dois anos, os órgãos de segurança pública retiraram de circulação 75 lideranças do tráfico, prenderam 45 mil criminosos e apreenderam nas mãos dos bandidos 30 mil armas, entre as quais 1.262 granadas. No entanto, as armas de guerra contrabandeadas e as drogas produzidas nos países vizinhos continuam atravessando, tragicamente, as nossas fronteiras, sendo distribuídas nas principais capitais do país e, no caso do Rio de Janeiro, armazenadas nos paióis instalados pelos traficantes nas favelas.

Os grandes responsáveis pela reposição contínua e criminosa das armas e drogas para as bocas-de-fumo são os consumidores de narcóticos das classes mais abastadas. São eles que, na busca de um prazer doentio de sentir a cocaína correndo pelas veias e a fumaça partindo dos pulmões ao cérebro, financiam o fortalecimento bélico dos traficantes que aterrorizam os moradores da cidade. Estão entre eles, também, os grandes fornecedores de drogas para os traficantes varejistas das favelas.

É preciso denunciá-los e responsabilizá-los, todos eles, que ao investirem pequenas montas de suas fortunas na manutenção dos seus vícios, atuam como mantenedores financeiros da guerra sangrenta travada pelo controle dos pontos de venda de drogas.

Uma guerra cujas baixas não se restringem aos facínoras rivais que se enfrentam mortalmente. As perdas humanas incluem a imensa maioria de policiais corretos que os confrontam e os civis inocentes vitimados pelos disparos indiscriminados feitos pelos bandidos para escapar, a qualquer custo, das algemas da lei.

É preciso, também, extirpar definitivamente o conceito equivocado segundo o qual o consumo de drogas é somente um grave problema de saúde pública. Não é. O ''hábito inofensivo'' de se consumir drogas contribui decisivamente para o aumento da violência e expõe aos riscos toda uma sociedade que, em sua maioria, rejeita o uso de entorpecentes.

Os cidadãos de bem, cumpridores dos seus deveres e dos ditames da lei e da ordem, não suportam mais conviver com a tragédia diária de assassinatos decorrentes da existência do tráfico de drogas.

A droga é mortal. Para todos. Inclusive para os consumidores das elites que vão às bocas-de-fumo em seus carros importados, se achando guarnecidos pela ilusória proteção proporcionada por seus veículos blindados à prova de balas. Eles só ficam de fora das estatísticas de condenações por uso e tráfico de entorpecentes.