Título: Pacto nacional contra o trabalho escravo
Autor: Oded Grajew
Fonte: Jornal do Brasil, 30/06/2005, Outras Opiniões, p. A13
Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em maio, examinou o trabalho forçado contemporâneo e apontou que ainda existem, no mundo inteiro, 12 milhões de seres humanos vítimas deste tipo de exploração. E não se trata de algum tipo de coerção estatal. Quatro de cada cinco trabalhadores em regime de escravidão atuam para agentes privados, principalmente na economia ''subterrânea'' ou informal.
A escravidão moderna é, portanto, de um grande negócio que movimenta mais de 32 bilhões de dólares anualmente, soma que ultrapassa o PIB de 100 países.
O Brasil integra o relatório. Tem um ponto negativo - ainda há pelo menos 25 mil brasileiros submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão; e um ponto positivo - o relatório aponta nosso país como aquele que vem adotando medidas mais eficazes de combate a esta prática vergonhosa.
Iniciativas governamentais, como a portaria MTE 540 / 2004, de 15/10/2004, a fiscalização móvel de propriedades, a criminalização de empregadores e o resgate da cidadania das vítimas desta exploração, têm sido fundamentais para o combate a esta prática. Mas, o que também vem dando relevância internacional para o Brasil é o compromisso voluntário e vigoroso do empresariado nacional em combater o trabalho escravo nos diversos setores da economia.
Trata-se de um exemplo para o mundo, pois em nenhum outro país as empresas mobilizaram-se para estabelecerem diretrizes que visam a dignificar, formalizar e modernizar as relações de trabalho.
Vale lembrar como tudo isso começou. Em meados de 2004, a ong Observatório Social publicou uma revista com fotos e relatos das condições de trabalho (ou da falta delas) a que estavam sujeitos os empregados das fazendas produtoras de carvão vegetal no norte do Brasil. O Instituto Ethos, junto com a OIT, procurou, então, as siderúrgicas que compravam o carvão destes produtores para articular um pacto que pusesse fim a este descalabro. Assim, em agosto de 2004, na Procuradoria Geral do Trabalho, em Brasília, foi assinada uma carta-compromisso pelo combate ao trabalho escravo no setor siderúrgico da região norte do País, tendo como signatários a Asica - Associação das Siderúrgicas de Carajás, o Instituto Ethos, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Federação das Indústrias do Paraná, Confederação dos Metalúrgicos da CUT, Sindicato da Indústria do Ferro-Gusa do Estado do Maranhão (Sifema), Instituto Carvão Cidadão e o Conselho Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (Conatrae), entre outros.
No entanto, outra ong, a Repórter Social, pesquisou durante meses as cadeias produtivas de diversos setores econômicos, para rastrear onde havia trabalho escravo. Depois, durante outros tantos meses, o Instituto Ethos, junto com a OIT, negociou com grandes empresas, líderes em diversos setores, e com suas organizações associativas, um pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo que incluía medidas como: restrições comerciais e financeiras às empresas e /ou pessoas empregarem pessoas em condições análogas à escravidão; regularização das relações trabalhistas nas cadeias de valor; monitoramento das iniciativas adotadas e avaliação dos resultados dentro de um ano.
Este Pacto foi assinado em Brasília, na Procuradoria Geral da República, em maio último. Grupo Pão de Açúcar, Votorantim Celulose e Papel, Coteminas, usineiros de açúcar e álcool, Petrobras, Cia Suzano, Belgo Mineiro e outras sessenta empresas e entidades associativas assinaram este Pacto voluntariamente, já estão combatendo o trabalho escravo e, com isso, os crimes que a ele podem ser associados, como desmatamento, grilagem de terras, contrabando, pirataria.
Os possíveis prejuízos financeiros iniciais da adesão a este Pacto - afinal, muitos fornecedores conseguem preços ''competitivos'' justamente por utilizarem-se de trabalho forçado - serão amplamente compensados pelo apoio da opinião pública brasileira e internacional, e a garantia de não perder mercado interno e externo. Infelizmente, ainda é comum lermos opiniões que associam o combate ao trabalho escravo a teorias conspiratórias internacionais, visando a ''denegrir'' a imagem e os produtos brasileiros. Combater o trabalho forçado e outras formas de injustiça social são iniciativas que devem integrar as práticas das empresas socialmente responsáveis, porque garantem negócios sustentáveis, ao promover a interação das empresas com as principais reivindicações da sociedade civil. Trata-se, então, de uma oportunidade ímpar de contribuir para o fortalecimento e a ampliação da democracia participativa, a única maneira de diminuir a grande chaga de nosso país - a secular desigualdade social que não diminui nem mesmo em períodos de crescimento econômico -, e promover uma cultura de paz.
Oded Grajew é presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global; idealizador do Fórum Social Mundial; ex-presidente da Fundação Abrinq (período 1990-1998); membro do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico; ex-assessor da Presidência da República.