Título: Nova revolução islâmica a caminho
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 30/06/2005, Internacional, p. A8

TEERÃ - Enquanto o presidente americano, George Bush, assumiu seu segundo mandato pregando a expansão da democracia americana pelo Oriente Médio, o presidente eleito do Irã, o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, previu ontem que a comoção gerada por sua eleição colocará em marcha a resposta, uma ''nova revolução islâmica'', que ''em breve alcançará o mundo inteiro''.

- Isso está acontecendo graças ao sangue dos mártires e à revolução de 1384 [o ano atual no calendário iraniano]que, se Deus quiser, extirpará a injustiça do mundo - afirmou o governante eleito na sexta-feira passada, durante uma reunião com as famílias das vítimas de um atentado realizado em 1981, segundo a agência oficial Irna. - A era da opressão, do regime hegemônico, da tirania e da injustiça terminou. Em uma noite, os mártires percorreram um caminho de 100 anos - acrescentou, em alusão aos EUA.

O passional discurso lembrou os primeiros anos da Revolução, cuja ''pureza'' foi louvada por Ahmadinejad, que adotou uma posição que causa inquietude nos países ocidentais.

Há anos a República Islâmica renunciara às iniciativas para exportar sua revolução, que contribuíram para que muitas nações, inclusive árabes, apoiassem Saddam Hussein durante a guerra entre o Irã e o Iraque (1980-1988).

Coincidentemente, na noite anterior às declarações de Ahmadinejad, Javier Solana, o alto representante da União Européia para a política externa, disse que pretendia aguardar para ver o que vai acontecer antes de julgar o novo governo de Teerã, mas insistiu que o posicionamento do bloco europeu em relação ao país é claro:

- Faço questão de destacar a importância que a União Européia atribui às reformas políticas e econômicas do Irã, bem como aos progressos alcançados em áreas como direitos humanos, não-proliferação de armas nucleares e de combate ao terrorismo. Tal progresso é necessário para as relações Teerã-Bruxelas, inclusive para que negociações comerciais e acordos de cooperação alcancem todo o seu potencial - disse Solana. - Nada fora desses termos será aceito. Temos que esperar para ver como a nova liderança reagirá a essas idéias.

No domingo, na primeira entrevista coletiva depois do pleito, Ahmadinejad havia tentado acalmar a comunidade internacional, prometendo um governo ''moderado'':

- Não haverá lugar para o extremismo - afirmou na ocasião.

O discurso de ontem, no entanto, assumiu um claro viés revolucionário. Ahmadinejad fez o pronunciamento a parentes das vítimas de um atentado que deixou mais de 70 mortos, entre eles o chefe de Justiça, o aiatolá Mohamed Hosseini Beheshti, dezenas de deputados e vários ministros, na sede do Partido da República Islâmica, em 28 de junho de 1981. O ataque, atribuído ao grupo Mujahedins do Povo, foi um dos episódios que motivaram a fundação da República Islâmica. Dias depois do incidente, em 30 de agosto, o presidente Mohamed Ali Rejaie e seu primeiro-ministro, Mohamad Javad Bahonar, foram assassinados em outra ação terrorista. Durante sua campanha, Ahmadinejad, o primeiro laico a chegar à Presidência desde Rejaie, disse várias vezes que pretende seguir o exemplo do governante assassinado, que gozava de uma reputação de integridade e simplicidade.

A polêmica declaração foi feita no mesmo dia que o Conselho dos Guardiães, instituição ultraconservadora que supervisiona o processo eleitoral, ratificou o resultado do pleito - marcado por denúncias de fraude.

- Não recebemos qualquer recurso oficial - alegou o chefe do Conselho, o aiatolá Ahmad Janati, ao ministério do Interior.

Com isso, o presidente eleito assumirá o cargo no dia 3 de agosto e já começou as consultas para formar seu governo.

- Quero pessoas competentes e fortes - disse, sem fornecer mais detalhes.