Título: Secretário encara batalha cultural na Assembléia
Autor: Jotabê Medeiros
Fonte: Jornal do Brasil, 30/06/2005, Caderno 2, p. D3

Em toda a existência da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, nunca um secretário de Cultura foi até a casa debater a política cultural do governo. A exceção, cumprida pelo atual secretário João Batista de Andrade, fez lotar de artistas e produtores culturais o anfiteatro Juscelino Kubitschek da assembléia na noite de terça. E também garantiu lances de polêmica, debate, vaias, ofensas, aplausos e citações insólitas. "É uma experiência quase que inusitada, o Parlamento dedicar parte do seu tempo às questões da cultura", disse Andrade. "Políticos adoram cinema, teatro, cultuam música, compram música, mas raramente dedicam parte do seu tempo a discutir formas de incentivar essas artes."

Andrade contou que ficou olhando os artistas no auditório e, do alto de seus 40 anos de militância artística, pensou: "Como foi que passei para esse lado? Sempre participei dessas lutas, participei de invasão de gabinetes de secretários, lutas em assembléias." Sua explicação veio a seguir: "Sei que é muito difícil a cultura encontrar interlocutores na política. Quando fui convidado para ser secretário, pensei muito nessas coisas. Decidi aceitar porque tenho experiência muito grande, conheço muito o processo cultural."

O objetivo da audiência pública era debater a espinha dorsal do financiamento das artes no Estado, hoje representada pela esperança de aprovação do projeto do Fundo Estadual de Cultura, elaborado por parlamentares e representantes de diversas entidades culturais. São Paulo tem uma lei de incentivo com recursos fiscais que se encontra desativada. O fundo garantiria uma verba anual definida em lei para a área.

O presidente da Assembléia, deputado Rodrigo Garcia (PFL), que conduziu a audiência, ressaltou, no início do encontro, um fato insólito: "Governo e oposição são favoráveis ao projeto." O próprio presidente da assembléia atua com grande simpatia ao fundo e 67 deputados o subscreveram.

Mas há problemas e divisões, e são profundos. O governo do Estado e o secretário Andrade tentam aprontar uma lei, a toque de caixa (leia texto ao lado), conjugando o plano do fundo e um mecanismo de renúncia fiscal. Os artistas presentes temiam que Andrade, cineasta premiado, esteja mais preocupado em defender os interesses de um só lado da questão, o cinema.

A intervenção de Alain Fresnot, presidente da Associação Paulista de Cineasta, ajudou a complicar o cenário. "O fundo não atende ao interesse do cinema de longa-metragem, a real necessidade do cinema industrial. Tentamos chegar a um acordo para uma proposta mais sólida, mas não foi possível. Então, os cineastas não incorporaram o projeto como seu. O cobertor é curto."

Fresnot pleiteia um "volume de recursos bipolar, que atinja o que chama de "cultura capa preta, dos mandarins, e a da periferia, entre aspas, do baixo-clero". Sua fala foi vaiada pela platéia, que gritava "burguês" para o cineasta. Ele não ajudou muito ao continuar. "O baixo-clero de hoje é o mandarim de amanhã, se tiver talento e competência."

Reinaldo Maia, da comissão pró-fundo, foi contundente em sua exposição. Lembrou de suas colaborações artísticas com o secretário Andrade, nos anos da ditadura militar. "Lutamos para que deixassem de existir baixo-clero e capa preta", afirmou, lembrando que o projeto de uma lei de fomento não põe em disputa os "fomentados" e a "cultura de mercado, de entretenimento".

"Há uma idéia disseminada recentemente que quem sanciona a política cultural é a lei do mercado. Essa não deve ser uma política excludente", ponderou Maia.

"O cinema não é o primo rico. Nós somos tão sofredores quanto todas as áreas culturais", discursou Ernesto Scatena, do Sindicato da Indústria Cinematográfica de São Paulo (Sicesp). Ele disse que resolveu apoiar o projeto do secretário João Batista de Andrade porque pode ser "melhor e mais bem resolvido".

O secretário não deixou claro quais suas divergências em relação ao projeto aprovado e que, segundo Idibal Piveta, da comissão pró-Fundo, consumiu 2 mil horas de debates . "Como disse Don Quixote, é preciso sonhar o impossível para conseguir o possível", citou Piveta.

Quando os deputados ganharam o direito de falar, a coisa engrossou um pouco mais. O deputado Renato Simões, líder do PT na Assembléia, disse que o "tempo" que João Batista de Andrade pede para preparar um novo projeto de fomento à cultura "está escudado somente em sua biografia, porque o atual governo do Estado teve dez anos para formular" algo do tipo.

O deputado Arnaldo Jardim (PPS) foi à tribuna retrucar, acusando Simões de dividir o mundo entre "nós" e "eles" e dizendo que, quanto o PT está no poder, os movimentos sociais e artísticos são tratados como "nós", e que quando é outro partido que está no poder, são "eles". Jardim pediu que a nova lei de fomento seja resultado de um "processo de convergência, e que não haja arautos". A platéia o vaiou com gritos de "ventríloquo" e o acusou de "empurrar com a barriga" a discussão.

O fundo de cultura causou uma situação inédita na assembléia: PFL, PP, PC do B, PT e mesmo o PSDB concordam que é necessário algo do tipo. O líder do governo, deputado Edson Aparecido, pediu em discurso "um projeto mais amplo, para que a cultura tenha fontes de fomento e também um fundo de cultura no segundo semestre".