Título: ONG denuncia abuso policial no Rio
Autor: Júlio Lubianco e Maria Ganem
Fonte: Jornal do Brasil, 22/10/2004, Rio, p. A-14

Casos de mortes em conflito com a polícia aumentaram 301% em seis anos. Estado critica relatório

Entre 1998 e o ano passado, os registros de mortes em confrontos com policiais no Estado do Rio cresceram 301%. Este ano, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública, os casos de mortes chegam a 714. Os dados reunidos pela ONG Justiça Global foram entregues ontem na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. Na apresentação do relatório Violência policial e insegurança pública, no Rio, representantes da entidade informaram que vão pedir à OEA o envio de uma comissão ao Rio para investigar suspeitas de abuso. O secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, classificou o estudo como ''inoportuno''. Segundo Itagiba, a ONG não enviou cópia do relatório à secretaria e não consultou oficialmente o Estado em nenhum momento.

- No Rio, a violência policial se manifesta como uma política de Segurança Pública. Não se trata apenas de casos isolados cometidos por policiais mal preparados. Cerca de 50% das vítimas (em autos de resistência) foram executadas pelas costas, com tiros na nuca e na cabeça - afirma Sandra Carvalho, diretora de Pesquisa e Comunicação da Justiça Global.

Além dos autos de resistência, o relatório aponta a utilização excessiva de mandados de busca e apreensão itinerantes como estratégias de criminalização da pobreza, assim como o alargamento das condições que caracterizam o crime de associação para o tráfico, como em manifestações contra a atuação de policiais.

Para o sociólogo Ignácio Cano, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, há uma situação de guerra entre a polícia e uma parcela da população que mora em áreas pobres.

- As invasões de morro são táticas de estratégia militar que só contribuem para aumentar o número de vítimas. É preciso que se invista em investigação policial. Se a militarização da segurança pública resolvesse o problema, viveríamos em uma Suíça - compara.

O relatório cita ainda 21 casos não esclarecidos de assassinatos cometidos por policiais ou de mortes ocorridas com a vítima sob custódia policial desde 1998. Dez deles aconteceram este ano.

- O inquérito policial dura, em média, seis anos. Nesse tempo, as testemunhas são coagidas, as provas somem e se constrói a impunidade - atesta a diretora da ONG.

Em uma palestra sobre desempenho policial no Estado, no Clube de Diretores Lojistas, o secretário Marcelo Itagiba questionou o fato de o relatório abordar exclusivamente a cidade do Rio de Janeiro, e afirmou que, por trás do estudo, existe o interesse de ''forças contrárias à governadora em criar uma insatisfação na população''.

Itagiba defendeu, com base em dados estatísticos, que a violência no Rio não é pior do que a de nenhuma grande cidade do país. Ele lembrou que o índice de autos de resistência (mortes em conflito com a polícia) apresentou queda de 22,1%, em comparação com o período de janeiro a setembro do ano passado - 714 casos este ano, contra 917 em 2003.

- Realizamos um trabalho digno e transparente. Somos o único Estado do país a divulgar mensalmente dados sobre a segurança pública no Diário Oficial - observou Itagiba.

Segundo o secretário, o Estado não mede esforços para punir maus policiais e vai continuar combatendo o tráfico.

- Fuzil não se combate com flores - disse o secretário.