Título: ¿Renan e Sarney enganaram Lula¿
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/07/2005, País, p. A2

O secretário de Governo do Rio, Anthony Garotinho, principal liderança do PMDB no estado, tem um pensamento fixo: tornar irreversível sua candidatura à Presidência da República dentro do desunido PMDB. Tarefa que ficou ainda mais espinhosa ao longo da semana com a aceitação, pela ala governista do partido, da barganha política na reforma ministerial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A sigla levou quatro pastas em troca do apoio à ¿governabilidade¿. Leia-se, o toma-lá-dá-ca de uma aliança com vistas à reeleição de Lula. Garotinho é contra, por razões óbvias. Descartando totalmente a possibilidade desse grupo, hoje seu adversário, tentar tomar o controle do partido, Garotinho resolveu mostrar suas armas em entrevista ao Jornal do Brasil, na quinta-feira, um dia antes de o PMDB dos senadores Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP) entregar os nomes dos ministeriáveis ao Planalto. De cara, Garotinho diz que o presidente foi enganado pela dupla, uma vez que a maior parte do PMDB continuará fora da coalizão. Antecipa ainda que na quarta-feira, o presidente do partido, Michel Temer, dirá que os peemedebistas que não deixarem o governo podem até ser expulsos. Garotinho, no entanto, não tem idéia de quantos cargos o PMDB tem hoje e diz que o corte será pelas cabeças. Ministros, no caso.

Ele avisa que não sairá do PMDB. Diz, para marcar posição, que não será candidato a qualquer custo e nem aceitará imposições. E, se tudo der errado nos seus planos presidenciais, olha com simpatia para o Senado.

Enquanto se prepara para o embate partidário, ele vai testando a repercussão do discurso que é a mostra do pregará na campanha: ¿PT e PSDB são a mesma coisa. Esse é o momento mais cínico da história do Brasil. O PSDB, em tom acusatório, diz ao PT: `Vocês não podem fazer o que nós fizemos¿.¿ E, para não perder a chance, Garotinho ironiza: ¿O PT da boquinha, tem a boca maior do que eu pensava¿

- Os senadores José Sarney e Renan Calheiros passaram por cima do comando do partido?

- Michel Temer reunirá o partido na quarta-feira ,em sua casa em Brasília e deixará claro que o partido não está no governo. Tornará isso oficial com medidas concretas, que ele depende do respaldo dos governadores para tomar. Um exemplo será cumprir a resolução da convenção que determina a entrega dos cargos. Caso isso não seja efetuado, comunicará - seja para ministros ou outros ocupantes de cargos - que restam duas opções: tirar licença do partido ou sair.

- Isso não é incoerente quando se fala de vários ministérios para o PMDB?

- O partido já tomou uma decisão. Temer me comunicou que 13 deputados retiraram a assinatura que haviam dado naquele documento de adesão ao governo porque foram enganados pelo líder José Borba. Ele disse que o documento era de apoio à governabilidade e, depois, foi apresentado pelo Borba, Sarney e Renan ao Lula como sendo a favor da entrada do partido no governo. Sarney e Calheiros enganaram o presidente, junto com o José Borba. Me dá a impressão de que o presidente gosta de ser enganado. Ele já sabia, ao negociar com o Renan e Sarney, que não tinha maioria no partido. Continua sem. Será que o governo vai dar mais cargos e ministérios para obter o mesmo número de votos que já tinha?

- Quando o senhor fala da exclusão do partido, isso inclui Sarney e Renan?

- Nenhum dos dois é ministro.

- Mas foram eles que fecharam a aliança...

- Se o presidente for alertado da verdade a tempo, e talvez essa entrevista sirva para isso, ele resolva cair na real. Aliás, muito do que o presidente está passando se deve ao fato dos seus maus conselheiros. Já disse que os maiores inimigos de Lula estavam dentro do PT e do Palácio do Planalto. O presidente, quando não ouve, dá a entender que sabe e concorda com tudo o que acontece. Ninguém está livre de um caso isolado de corrupção. Mas o PT dificulta a CPI e cria um discurso de golpe. Quem está dando golpe é o PT.

- Por que?

- Em vez de apurar seus erros, quer misturar com os erros de governos passados. Quando Lula disse que sabia de coisas do governo Fernando Henrique é verdade, mas só vai falar agora em função do que descobriram no governo dele. Não pode haver um momento mais cínico na história do Brasil do que este. O PMDB não pode ser avalista disso. Algumas pessoas ficarão no governo. O importante é que o partido oficialmente não esteja. Teremos candidato próprio à Presidência. Se não nos afastarmos, com que cara vamos dizer ao eleitor que nossa proposta é diferente ?

- Quantos cargos tem o PMDB?

- Ninguém sabe. É um mistério para todo mundo. A exclusão será através dos ministros. Começa pelas cabeças.

- O presidente não quis receber o presidente do PMDB.

- Lula está mostrando que além de inábil é deselegante. Além de desarticulado, não sabe separar respeito à instituição democrática das picuinhas e as baixezas da política. Lula ainda não se apercebeu que Brasília não é São Bernardo e, a Presidência, não é um sindicato.

- Faltou convidar os governadores para conversar?

- Foi feito tudo errado. Ele poderia ter mais êxito se tivesse humildade. No pronunciamento na TV, ao invés de partir para aquela posição de negar os fatos (o escândalo dos Correios), se ele dissesse: ''Quero dizer a vocês que fui traído. Mas quem estiver em casa assistindo à TV, que não sofreu uma traição, atire a primeira pedra''. Ele ia ganhar o coração do povo. Outra coisa, o José Dirceu tinha de chegar ao Congresso humilde. Chegou achando que era o Tony Blair. Ele não tem nem a inteligência, nem a capacidade, nem o poder, nem o charme do Tony Blair. Na negociação política, ele poderia ter chamado para uma reunião os governadores, os ex-governadores. Lula diria: ''Olha vocês estão vendo a gravidade. Preciso do apoio de vocês.'' Você acha que alguém ia negar apoio? É a falta de humildade. Há um provérbio que diz: ''A soberba precede a ruína''. Esse é um governo soberbo.

- Houve emissário para dizer que o governo daria algo em troca do apoio?

- Emissário não. Plantaram que dariam para o Rio a Petrobras e refinaria. Mas ninguém falou nada.

- Nesse caso haveria barganha?

- Não é por aí. O nosso apoio ao governo não se dará em bases fisiológicas.

- Mas um avanço para o estado, neste caso, é fisiologismo?

- Se comprometer a investigação, se nos levar a uma série de obrigações de ter de fazer coisas com as quais não concordamos, é fisiologismo. É como se fosse um mensalão.

- O que será mostrado para diferenciar os grupos do PMDB?

- o PMDB tem um novo programa. Foi o partido que devolveu aos brasileiros o direito de votar e de os exilados retornarem. Depois veio o descaminho do partido com as divisões e o apoio ao governo Fernando Henrique, que destruiu a Constituição Cidadã que o Ulysses Guimarães fez. Este novo momento é um reencontro do PMDB com sua história. Defendemos taxa de juros baixa, reestruturação da dívida, Banco Central forte sob comando do governo, valorização da empresa nacional e taxação do capital especulativo. É a antítese dos governos do PT e do PSDB.

- Mas o PMDB esteve em todos esses governos.

- Ele tem sua história, há um momento que rompe e se perde nessa história, que foi no governo FH. É impossível um país permanecer vivendo com a orgia do sistema financeiro.

- Uma das principais críticas feitas ao governo é que ele não discute projetos com aliados.

- A crítica principal é que ele não tem projeto. Qual é o projeto do Lula para a política industrial, para as Forças Armadas, ensino básico, saúde pública, transporte? A grande frustração de uma parcela enorme da população é que mais uma vez perdemos a eleição. Lula não foi eleito pelo PT, e sim pelo partido dos patriotas. Quem elegeu Lula foi uma espécie de inconsciente coletivo, que via nele a esperança da construção de um projeto nacional. Mas Lula não estava preparado. Ele incorporou a mentalidade da elite financeira brasileira.

- Isso é uma mostra do que vai ser o seu discurso de campanha?

- Coloco a minha candidatura na seguinte condição dentro do PMDB: só serei candidato se for para denunciar alianças ideológicas do PT com o PSDB. Para fazer o que eles fizeram, prefiro não ser candidato.

- É a primeira vez que o senhor diz que pode não ser candidato.

- Se quiserem me impor um discurso como foi imposto a Lula na campanha, naquela carta aos brasileiros revendo as posições históricas dele. Aquela carta na verdade deveria ter outro nome: ''Carta aos banqueiros''. Quero deixar claro o seguinte: se o PMDB tentar me impor a continuidade de determinadas práticas que existem no governo federal, desde o FH e agora Lula, estou fora.

- Quais práticas?

- Prefiro não falar.

- O que o PMDB pode impor?

- Há setores conservadores dentro do PMDB e eu não quero ser o candidato dos conservadores do PMDB. Quero ser o candidato de todo o partido.

- O senhor muda de partido se houver resistência à sua candidatura?

- Não vou sair do PMDB.

- Então, o senhor abre uma brecha...

- Nenhum ser humano pode ir contra o tempo e os fatos. Se a minha candidatura se impuser como um fato, no tempo certo da eleição, o PMDB caminhará comigo. Agora, se a minha candidatura não estiver consolidada, eu tenho uma compreensão política. Não vou ser candidato.

- O senhor acha que o PMDB vai apelar por sua candidatura?.

- Olha, eu quero muito ser candidato, mas não quero a qualquer custo. Contra os fatos e os número e contra o tempo não se pode brigar.

- O senhor acredita que seu nome depende do desempenho do governo Lula?

- Ela depende do entendimento de que é necessária uma candidatura que seja diferente do que representa o PSDB e o PT. Há a tendência é que cada vez que a população vá compreendendo que as pontas das estrelas do PT são como bicos de tucano. Os dois são a mesma coisa, são iguais em tudo. O que poderia diferenciar um do outro era uma questão ética, mas agora até nisso são iguais. Os métodos são os mesmos. Por isso minha candidatura independe do PT.

- Algum deputado chegou a falar de mensalão com o senhor?

- O que sempre soubemos foi das operações do Delúbio, do Marcelo Sereno, do Sílvio Pereira se reuniam em hotéis para falar com empresários e intermediar negócios no governo.

- Como o senhor acha que essas denúncias afetam o PT?

- O PT nunca mais será o mesmo. Agora, a população sabe o que sempre foi o PT. Eu já sabia porque participaram do meu governo. Quando, há cinco anos, chamei o PT de ''O partido da boquinha'', sabia muito bem o que estava dizendo, mas talvez não tivesse dimensão do tamanho da boca.

- O senhor sabe que há grande rejeição ao seu nome...

- A cidade do Rio é dividia ao meio: 50% odeiam Garotinho e Rosinha, por desconhecimento, preconceito . Achamos que é direito do cidadão. Mas, ninguém fez mais pela Zona Sul do que eu. Do túnel para lá, a rejeição muda muito. Aí vem Baixada e interior onde temos muita força.