Título: O combate à corrupção
Autor: Eduardo M. Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 03/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

A Constituição da República Federativa do Brasil diz com clareza o que os deputados e senadores não podem fazer. Dentre outros procedimentos, está claro no Artigo 54 que os parlamentares não podem patrocinar causa em que esteja interessada qualquer pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes.

A interpretação correta do espírito dos constituintes de 1988 é a de que deputados e senadores não poderiam indicar nomes para o poder Executivo com o propósito de, ao ocupar ministérios ou diretorias de empresas públicas, essas pessoas realizarem negócios com empresas que, em contrapartida, contribuíssem com benefícios de qualquer natureza, incluindo às suas campanhas eleitorais ou para a de seus partidos.

Diante dos episódios que são hoje objeto de apuração pela Controladoria-Geral da União, pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, e pelo Congresso Nacional através de Comissão Parlamentar de Inquérito, é importante que as eventuais contravenções que preocupam a população se tornem muito bem explicitadas. O que se espera de um congressista ao tomar a sua decisão sobre como vai votar em determinado projeto de lei, de resolução, ou de emenda à Constituição, é o que considera de interesse público, e não qualquer interesse privado.

Na última quinta-feira, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através do Ministro Waldir Pires, da Controladoria-Geral da União, anunciou um conjunto de medidas importantes de prevenção e combate à corrupção, algumas das quais já estavam em andamento e que ganharão novo impulso diante da forte preocupação da sociedade brasileira.

O decreto que institui o Sistema de Corregedoria do Poder Executivo Federal estabelece uma fiscalização independente para cada Ministério. Os corregedores, nomeados pelo Ministro de Estado do Controle e Transparência, poderão instaurar sindicâncias e processos administrativos no caso de qualquer irregularidade, assegurando a aplicação das penas previstas na Lei.

O decreto que institui as Sindicâncias Patrimoniais constitui um processo investigatório para apurar os casos de enriquecimento ilícito de funcionários de qualquer área de governo, com o confronto entre a remuneração e patrimônio do funcionário e a evolução de seu padrão de vida.

O presidente Lula está encaminhando um Projeto de Lei ao Congresso Nacional tornando crime, no Código Penal, o enriquecimento de qualquer agente público que não possa ser explicado com os rendimentos legítimos que ele declara, A pena para isso será reclusão de 3 a 8 anos. No direito brasileiro, segundo a Lei n. 8.429/1992, de improbidade administrativa, o enriquecimento ilícito de funcionários e mesmo de deputados e senadores, é tipificado como mero ilícito civil, com sanções de caráter administrativo e civil. A partir desta lei, uma vez aprovada, os atos de corrupção, prevaricação ou peculato estarão definidos no Código Penal. É importante que o Congresso aperfeiçoe o projeto do Executivo, possivelmente com a consideração da instituição também de penas alternativas que tenham um caráter didático para os envolvidos e para a população, além da devolução do montante tomado indevidamente.

É oportuno também que aproveitemos a ocasião, à luz de tudo que está sendo objeto de apuração pelo Congresso, para tipificar como crime o pagamento e o recebimento de qualquer tipo de benefício, tal como o que se está chamando de ''mensalão'', e de contribuições às campanhas políticas que possam advir de contratos realizados a partir da influência de parlamentares que indicaram pessoas para postos-chaves da administração pública.

O Decreto que institui o Portal da Transparência disponibiliza, em definitivo, através da internet, no endereço www.portaldatransparência.gov.br, o acesso a qualquer pessoa às informações sobre a aplicação do dinheiro do Governo Federal para todos os Estados e Municípios. Assim, por exemplo, qualquer pessoa pode saber como, no seu município, estão sendo aplicados os recursos da merenda escolar, do sistema de saúde, da compra de remédios, da abertura de poços e aguadas e, inclusive quais as famílias matriculadas no Programa Bolsa-Família, que hoje correspondem a 7,2 milhões, e que serão 11,2 milhões em 2006.

Finalmente, o Decreto sobre a Divulgação dos Relatórios de Auditoria obriga cada órgão federal a divulgar, em seu endereço na Internet, o relatório da Controladoria-Geral da União encaminhado ao Tribunal de Contas. A transparência dos atos da administração, em tempo real, constitui a melhor maneira de prevenir irregularidades, sobretudo quando combinada com a atitude firme do Presidente da República de dar exemplos diários de procedimento correto no trato da coisa pública.