Título: Denúncia ronda Gabinete de Lagos
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 03/07/2005, Internacional, p. A13

O governo Lula não é o único esquerdista na América Latina a ser sacudido por denúncias de corrupção que respingam na ante-sala da presidência. A menos de sete meses para o pleito presidencial no Chile, um escândalo do porte do mensalão brasileiro promete dificultar a eleição da candidata governista, Michelle Bachelet, ainda no primeiro turno. A oposição direitista conseguiu aprovar no Congresso a instalação de uma comissão de inquérito para investigar denúncias de supostos atos de corrupção que apontam para a maior estatal chilena, a Corporação do Cobre (Codelco).

Segundo publicou o jornal El Mercurio, o ministro-geral, Osvaldo Puccio, recebeu pagamentos de 120 milhões de pesos (US$ 200 mil) durante os últimos quatro anos, quando era embaixador no Brasil. Puccio, que há um mês voltou ao Chile para assumir seu cargo (equivalente a chefe da Casa Civil), justifica que a quantia é referente a serviços de análise ambiental prestados pela empresa Asyan, da qual é sócio, para a Codelco.

- O problema é que falta transparência à Codelco. Em várias oportunidades a estatal se negou a esclarecer aos deputados detalhes financeiros de contratos com empresas privadas, feitos sem licitação. O que a comissão vai investigar é o vínculo da Codelco com estas companhias, os tipos de contratos firmados - explica ao JB Alfredo Rehren, especialista em estudos de governo e corrupção da Universidade Católica.

À acusação contra Puccio somam-se versões sobre outros contratos entre a estatal - administradora das maiores jazidas de cobre do mundo e fonte de ingresso de US$ 3,3 bilhões no país - e a empresa Gescam, cujos sócios são o engenheiro Hernán Durán, cunhado do presidente Ricardo Lagos, e o atual embaixador do Chile na França, Hernán Sandoval, amigo do mandatário. Especializada em fiscalização do meio ambiente, a Gescam também prestou assessoria, sem licitação, ao Ministério de Obras Públicas, do qual recebeu 2,8 milhões de pesos (quase US$ 5 milhões), denunciou a União Democrática Independente (UDI). O partido é a fração mais dura da direita, com raízes na ditadura militar (1973-1990), e tem como candidato à presidência Joaquín Lavín, ex-prefeito de Santiago.

O outro candidato da direita, o empresário Sebastián Piñera, do Partido Renovação Nacional (RN), se apressou em pedir a renúncia de Puccio, ''pois um embaixador não pode receber honorários da Codelco por uma assessoria''.

- A rigor, não podemos chamar a relação entre a Gescam, a Aysan e a Codelco de corrupta, porque não há no Chile uma lei que regulamente os contratos entre empresas estatais e terceirizadas. Também não há regulamentação que impeça um funcionário público de ter uma firma - afirma a cientista política Stéphanie Alenda.

- E a Codelco tem permissão para fazer certos trabalhos sem licitação - lembra Rehren.

Então, por que o alarde? Leonardo Letelier, especialista em governo e gestão pública da Universidade do Chile, aponta que o ''favorecimento'' entre governo e determinadas firmas alimenta a suspeita de corrupção. Suspeita essa que a direita vai usar para tentar derrubar o favoritismo de Bachelet nas eleições.

- Em ano eleitoral, coisas que antes não eram ditas ficam mais visíveis. Os contratos em questão envolvem pessoas públicas, ministros, parentes do presidente. Se fossem anônimos, a denúncia não teria tanta atenção - opina Rehren.

Segundo pesquisa de opinião feita em meados de junho, Bachelet teria 46% dos votos no pleito de dezembro, mais da metade de Piñera (21%). Lavín vem logo atrás, com 19%. Até agora franca favorita, a ex-ministra da Defesa de Lagos deve se manter fora da confusão das denúncias de corrupção, sugerem os analistas.

- A melhor estratégia é continuar apoiando as investigações. Bachelet está fora do governo, mas o representa porque é a candidata da coalizão esquerdista Concertación - diz Letelier.

- Sua imagem pode ficar danificada se o inquérito apontar alguma culpa de Lagos. Por isso, também o governo deve apoiar a comissão, como vem fazendo. Mostrar vontade de ser transparente é crucial neste momento, se quiser manter a Concertación no La Moneda - destaca Rehren.