Título: Um passo a frente, dois para trás
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 03/07/2005, Economia & Negócios, p. A19
Uma das principais bandeiras do governo Lula, o microcrédito para o setor produtivo está estacionado por causa da burocracia. A lei que pretende elevar a oferta de recursos para esse crédito, nascida de uma Medida Provisória de novembro de 2004, ainda espera pela regulamentação. E não é só isso. Entidades de crédito queixam-se de que o governo estuda adotar exigências que prometem mais atrapalhar do que ajudar sua atuação junto a uma clientela que, em geral, não tem conta no banco e ainda é informal.
- A regulamentação padece de um furor regulatório - avalia o presidente do Fórum de Microfinanças do Rio de Janeiro e coordenador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Manuel Thedim.
A medida prevê a liberação de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado. Junto com a normatização do microcrédito, espera-se a elevação do limite das operações dos atuais R$ 1 mil para R$ 5 mil. A decisão, no entanto, depende de negociações dentro do Codefat (conselho que administra os recursos do FAT) e do Conselho Monetário Nacional. Fontes que acompanham a negociação dizem ainda que as turbulências políticas podem estar afetando o calendário de negociações.
Em contrapartida, as operadoras do microcrédito - em sua maioria, organizações não-governamentais (Oscips) e sociedades de crédito ao microempreendedor (SCMs) - deverão pagar caro para obter esses recursos, terão prazo limite para liberação, além de serem obrigadas a obedecer a um tabelamento de taxas de juros e de recursos emprestados. Juntas, elas elaboraram um documento enviado ao grupo de trabalho interministerial do microcrédito.
- O primeiro ponto negativo é o limite da operação. Estipular um teto é ruim, porque, a dado momento, a instituição é obrigada a abandonar o cliente. Este empreendedor dificilmente conseguirá empréstimo no sistema bancário tradicional e seu negócio estagnará - opina o presidente da Associação Brasileira de Instituições de Microcrédito (Abicred), José Caetano Lavorato.
As entidades - reunidas em fóruns regionais - reclamam também do prazo para a liberação do empréstimo. O governo, segundo dizem, estuda impor um tempo máximo para emprestar.
- Cerca de 80% dos recursos devem ser repassados em em até três meses. Em vez de limitar a reserva de liquidez das instituições (o que sobra do que é emprestado e pode ser aplicado em outros investimentos), o governo pretende determinar o tempo para a operação. Se não emprestar nesse tempo, a instituição tem que devolver o dinheiro e pagar uma multa. O mundo não é neoclássico como aponta o modelo. O trabalho dos agentes de crédito leva mais tempo - diz Thedim.
Em vez de analisar o risco de inadimplência do tomador, as instituições investigam a sua vida e a rentabilidade do negócio. Com isso, é necessária a atuação de funcionários, chamados de agentes de crédito, o que eleva o custo da operação e requer tempo.
O governo estuda restringir ainda o público que pode ter acesso aos recursos. O limite em análise é uma renda anual de até R$ 60 mil ou R$ 5 mil mensais, sem descontar o pagamento de funcionários.
- O governo se mostra sensível com a questão do microcrédito, mas quando interfere no modo de fazer tende a errar. Um exemplo foi a imposição do limite de R$ 1 mil. O valor médio das operações no Brasil é R$ 2,1 mil - diz o presidente do conselho da Microinvest, do Unibanco, Carlos Ximenes de Melo.
Procurado, o representante do grupo interministerial do microcrédito do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, não se pronunciou.