Título: Recursos são desviados para tortura
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Fonte: Jornal do Brasil, 04/07/2005, Internacional, p. A8
A ajuda material enviada para a ultra-pressionada polícia iraquiana foi desviada para uma unidade de comandos paramilitares envolvida em abusos generalizados aos direitos humanos, incluindo torturas e execuções extra-judiciais. A informação foi divulgada na edição de ontem do jornal britânico The Observer.
Oficiais de polícia iraquianos afirmaram que munição, armas e veículos destinados ao serviço foram na verdade desviados para tropas de choque que atuam no front da guerra contra a insurgência. A alegação corrobora uma investigação realizada pelo próprio jornal, que obteve evidências dos abusos em visitas feitas pelos repórteres a necrotérios iraquianos. Fotografias de corpos de supostos rebeldes mortos no triângulo sunita mostram queimaduras, marcas de enforcamento, membros fraturados e, em um caso, o uso de uma furadeira elétrica como instrumento de tortura.
Avançando a partir dessas evidências, o jornal descobriu que os EUA e os iraquianos criaram uma rede fantasma de prisões secretas por todo o país, onde as organizações de defesa dos direitos humanos não têm acesso e a tortura é uma pratica generalizada nos interrogatórios. As técnicas incluem surras, pendurar os presos pelos braços e pés e até abuso sexual. Coincidentemente, as mesmas praticas executadas por americanos flagrados em Abu Ghraib. A situação é tão grave que há queixas correndo contra esse comportamento dentro do próprio Ministério do Interior iraquiano, sobretudo porque se descobriu que há uma cooperação intensa entre as instalações oficiais e as clandestinas que culminariam em execuções de presos.
A questão não é estranha às autoridades americanas e britânicas no Iraque. Segundo o Observer, o Departamento de Estado, o Foreign Office e as Nações Unidas já teriam levado o caso ao governo do Iraque, depois de alertados por funcionários de Bagdá.
O ministerio da Defesa de Londres confirmou ter gasto 27 milhões de libras em doações para os serviços de segurança, que receberam o repasse sob forma de munição, fardas especiais, coletes à prova de balas e jipes Land Rovers blindados. A maior parte do material foi enviado à policia, junto com uma segunda remessa de 20 milhões de libras em equipamentos. Apesar disso, o ministério da defesa britânico não quis se pronunciar.
O Foreign Office afirmou estar profundamente preocupado com a informação revelada pelo jornal em torno dos crimes cometidos pelo novo Exército iraquiano. Após a derrocada de Saddam Hussein, a tropa havia sido recriada do zero justamente para que as práticas de abusos cometidas pelos baathistas não continuassem se repetindo. Os soldados receberam treinamento dado por militares americanos. A questão é que o envolvimento desses últimos nos abusos de Abu Ghraib revelou que as aulas podem ter formado homens tão ruins quanto os de antes. Londres afirma que tortura é inaceitável e que está tratando do assunto em alto nível junto a Bagdá, porém, na avaliação do Observer, a deterioração da segurança no Iraque poderia estar levando o governo eleito a abafar e ignorar as queixas. Militares estrangeiros e da própria força iraquiana denunciam que a tortura se tornou prática intensiva e disseminada depois da posse do gabinete eleito em Bagdá.
- Há uma tentativa de sugerir que porque o regime de Saddam acabou tudo está cor de rosa no Iraque. O que está acontecendo em instalações oficiais é simplesmente horripilante e deve parar - afirmou Steve Crashaw, da organização Humans Right Watch.