Título: Dante já dizia...
Autor: Ubiratan Iorio*
Fonte: Jornal do Brasil, 04/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

A propósito de todas as espantosas evidências de corrupção que - felizmente - não têm saído das manchetes, eis que emergiu, de algum canto de minha infância alegrada por avós, mãe, tios e tias calabreses, uma frase de Dante Alighieri (1265-1321), o maior dos poetas da querida Itália, que, em sua obra mais conhecida, escreveu, com a acuidade e a sem cerimônia comuns aos gênios: ''Ahi serva Itália/ di dolore ostello/ nave senza nocchiere in gran tempesta/ non donna di province, ma bordello''! (''Oh, escravizada Itália/ lugar de decepções/ navio sem capitão em meio a grande tempestade/ mulher não respeitável, mas de bordel'' - Divina Commedia, Purgatorio, VI, 76-78). Fosse Dante brasileiro e vivesse nos dias que correm teria apenas o trabalho de substituir ''Itália'' por Brasil e ainda poderia manter o que observou a respeito da condição humana na mesma obra (IV, 9): ''Vassene 'l tempo e l'uom non se n'avvede'' (''Passa o tempo e o homem não o nota'').

A corrupção é coisa velha, muito anterior ao grande poeta florentino: nasceu com Adão e Eva e só irá desaparecer com o último dos mortais. Decorre da imperfeição humana e é apenas uma das manifestações do pecado original. Todos sabemos disso. Mas os homens sensatos aprenderam, com o maior dos professores, que é a História da Civilização o que é possível fazer para reduzir a corrupção a níveis pelo menos suportáveis, ou, pelo menos, não revoltantes: que corrupção se combate, antes de qualquer outra arma, com a solidez dos valores morais judaico-cristãos, tão atacados e desvirtuados hoje em dia e, na prática, com democracia, com balanceamento entre os três poderes e com desconcentração de poder político, econômico, administrativo e cultural. A corrupção é uma das conseqüências, ao lado da ineficiência econômica, da burocracia, da malversação dos recursos públicos e do fantasma da tributação excessiva, do gigantismo do Estado, esse devorador contumaz de cidadãos, que exige formidáveis mundos e proporciona minguados fundos... A correlação entre tamanho do Estado e corrupção é direta, conclusiva, irreprochável, bastando, para comprovar esta conclusão, ler os relatórios da International Transparency, encontráveis na internet.

Se a humanidade aprendeu a lição e passou a entender que o Estado deve ser o menor possível e necessário para cada sociedade, parece que as inúmeras aulas da História em que isto foi ensinado foram cabuladas por nossos ditos homens públicos e por certos ''intelectuais''. De fato, o Estado brasileiro encaixa-se perfeitamente no conhecido ''paradoxo'' de Daniel Bell: é grande demais para resolver os pequenos problemas e pequeno demais para solucionar os grandes problemas... Precisamos reformatá-lo com grande urgência, para que possa ''rodar'' de novo a serviço dos contribuintes e para que deixe de servir-se deles, aos olhos de todos.

O que mais causa descrença, em todos os tristes episódios que vêm revelando claramente a verdadeira face do PT e de seus aliados, tisnando em horário nobre toda a classe política (com pouquíssimas e honrosas exceções) e maculando a nação com o rubor da vergonha, é que ninguém, até o presente momento, nem os próceres da dita ''oposição'' e nem muito menos os homens do governo (estes sabidamente adoradores do Estado-elefante), sequer mencionou a urgência, para que os níveis de corrupção desçam aos primeiros degraus, de profundas reformas em nossas instituições, a começar pelo emagrecimento do Estado e de suas infinitas atribuições e a tomar forma com um federalismo descentralizador, que impeça Brasília de tornar-se o destino de todos os recursos, que para lá vão com o bilhete de ida garantido, mas com o de volta em aberto e sujeito a todos os tipos de negociatas espúrias para que possam passar no check in.

''Vassene 'l tempo e l'uom non se n'avvede''. Já dizia o grande Dante!

*Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista- Cieep. Escreve às segundas-feiras para o JB (lettere@ubirataniorio.org)