Título: Semana nebulosa
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/07/2005, Opinião, p. A10
Mais uma tumultuada semana chega ao fim em Brasília, e a espantosa face da degradação moral da política brasileira, balizada pela evidência de novos trambiques a adornar os gabinetes oficiais, voltou a exibir feições constrangedoras. Os eleitores, impotentes, assistiram a novos episódios que reafirmam a tese dos inconformados: no vasto terreno da esperteza, acertos escusos são lavrados insistentemente à sombra do Estado. Os exemplos se sucederam mais uma vez de forma inquietante: os depoimentos às comissões de investigação no Congresso, o tiroteio acusatório promovido pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), as denúncias de desvios de recursos extraídos das contas de Furnas, as sinistras movimentações do publicitário Marcos Valério, acusado de ser o operador do ''mensalão''. A semana reacendeu não somente a podridão fincada nos Três Poderes da República, mas a insistência das corporações legislativas e partidárias de seguir na contramão dos avanços desejados pela sociedade brasileira. Há um incômodo perturbador no ar. O Brasil que padece de chagas sociais crônicas é o mesmo que consome energias para tentar extirpar os parasitas instalados no Estado. O Brasil que precisa rediscutir seu modelo de desenvolvimento socioeconômico - a fim de torná-lo capaz de reduzir históricas e obscenas desigualdades - é o mesmo que se dedica a imaginar fórmulas mais seguras de proteção contra os saqueadores de recursos públicos. O Brasil que dribla a ausência de oportunidades mais vistosas é o mesmo que acompanha a semana de trabalho mais curta do mundo, fruto da criatividade parlamentar em regar a própria horta de privilégios.
O tamanho e a repetição do escárnio - a despeito das sucessivas provas de insatisfação popular e de tentativas espasmódicas de removê-lo das práticas cotidianas - sugerem que há motivos sólidos para a tristeza coletiva. Diante de tal constatação, não é demais insistir: o Brasil somente conseguirá remover os escombros deixados pela ruína moral dos políticos quando reorganizar em definitivo seu quadro partidário. Na terra arrasada em que se transformaram os partidos, prevalecem o vale-tudo das infidelidades, os devaneios programáticos capazes de promover guinadas radicais para saciar o apetite pelo poder e as articulações miúdas. Mais do que legendas de aluguel, boa parte dos partidos transformou-se em veículo de intermediação de negócios suspeitos. Consomem corações e mentes a abocanhar espaços e recursos das estatais, onde criam feudos para benesses privadas.
De tais escombros emergem comerciantes de votos que se valem de siglas sem programa, sem projeto, sem princípios, mas com muita gula por dinheiro e poder. A principal confirmação do desastre está na incapacidade dos partidos de oferecer aos eleitores opções distintas o suficiente para construir suas identidades, criar lealdades e servir como atalho no ato de votar. Igualmente perigosa é possibilidade de o país paralisar a condução de uma agenda relevante de mudanças em nome de uma necessária faxina ética. Tão grave quanto a constatação de que o castigo máximo chega ao confisco do mandato: perdido o emprego, larápios são dispensados do acerto de contas com a Justiça comum. Algo vai muito mal num país cuja pauta do debate público é conduzida por um personagem como Roberto Jefferson. É a sinistra evidência de tempos nebulosos.