Título: Orgasmo e corrupção
Autor: Deonísio da Silva
Fonte: Jornal do Brasil, 05/07/2005, Outras Opiniões, p. A13

Nesses dias, os jornais só falam de corrupção. E sexta-feira à noite, na internet, as revistas semanais antecipam suas edições impressas e o assunto é o mesmo, a corrupção.

Mas eu vou escrever sobre orgasmo e abordar a descoberta de pesquisadores holandeses que, por meio de tomografia computadorizada, concluíram que quando elas fingem ter orgasmo, as áreas do cérebro ligadas a emoções permanecem ligadas. No orgasmo verdadeiro, as mesmas regiões são desligadas.

Não tenho a capacidade de síntese daquele jornalista cujo feito glorioso o Maurício Menezes conta em seu show, aliás, imperdível, Plantão de Notícias. Encarregado de dar título a uma reportagem em que um insano, adepto do sexo bizarro, tinha invadido uma propriedade rural e transado com vários animais e aves, mas poupara o canário, não teve dúvida e lascou na manchete: ''Só faltou o canário''.

O orgasmo - verdadeiro, claro - deveria ser item de programa partidário. Entre tantas promessas, leríamos: ''Em meu governo haverá orgasmo para todos''.

Se bem que, como os governos falam uma língua, e o povo outra, alguém poderia ter do orgasmo o conceito que aquela mulher revelou quando numa consulta o médico lhe perguntou, com o fim de aprimorar o diagnóstico: ''A senhora tem orgasmo?''. E ela, sendo daquelas mulheres que nada fazem sem a parceria do marido, muito menos orgasmo, palavra que ela desconhecia, socorreu-se do cônjuge, que a acompanhava na visita ao médico, mas ficara lendo jornal na ante-sala: ''Bem, nós temos orgasmo?''. E o consorte, entendendo que se tratava de novo plano de saúde: ''Não, o nosso é Unimed''.

A língua é essencial ao orgasmo. As palavras também. E as mãos também, porque não é apenas com palavras que acariciamos. Outro dia um colega, ao receber cafezinho num copinho de papel, reclamou: ''Queimando a língua e os dedos, lá se vão 75% de minha capacidade sexual''.

Demoramos a ter orgasmo, que só chegou ao francês escrito em 1611. E ao português, em 1707, num texto médico de João Curvo Semedo: ''Observações médicas doutrinais de 100 casos gravíssimos''. Começamos mal, aliás, tratando orgasmo como doença.

Os gregos, que nos deram o primeiro ''orgasmós'', eram mais livres e soltos. Theophrastos achava que até as plantas tinham orgasmo, que antecedia flores, brotos, gomos e frutos. Durante séculos o orgasmo foi apenas um caso médico até que retomassem Teresa d'Ávila, que viveu no século de ouro, o 16. Esta, sim, entendia de orgasmo, como prova a estátua de Bernini, Êxtase de Santa Teresa. E, modéstia à parte, o meu romance Teresa, que liga sua vida à de uns meninos catarinautas cujas mães tiveram vocação para eles serem padres.

Em vez disso, um deles está aqui escrevendo sobre orgasmo, depois de receber de outro, por correio, uma cesta básica para a sexta básica: por sedex, José de Souza Patrício, um daqueles antigos meninos, me mandou seu mensalão. Tinha que ser pelo correio! Em pleno sábado, coordenando evento com centenas de professores na Estácio, fui chamado para receber uma caixa com pizzas, massas e outros quitutes que o próprio ex-futuro padre fabrica. Como a corrupção ameaça acabar em pizza, o Patrício antecipou-se! E o correio, tão mal na berlinda, que injustiça: mais uma vez não falhou! Era sedex 10 e eu recebi às nove horas.

Ninguém chegou cheio de nove horas para dar desculpas esfarrapadas, como estão fazendo nas CPIs. E como as mulheres que fingem orgasmos, fazem também. Mas essas têm previamente o meu perdão: alguma coisa os homens fizeram ou deixaram de fazer para que elas precisassem mentir!

Vários autores já aludiram à volúpia do poder. O mal é que seus ocupantes não raro só querem o orgasmo deles e nem pensam se estamos consentindo com os atos que contra nós praticam, designado por um verbo que não fica bem explicitar aqui. E ainda querem que finjamos! Que tempo, que modo, que pessoa! O verbo fingir é de difícil conjugação! Que o digam os depoentes das CPIs.