Título: Esforço exaure máquina militar
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/07/2005, Internacional, p. A8

Os planos da cúpula militar dos Estados Unidos quanto à estratégia básica da Guerra ao Terror - ''combater os inimigos onde estiverem'' - estão fazendo água. Ontem, dois indícios aparentemente isolados reforçam a percepção de que a máquina militar mais poderosa do planeta chegou ao limite e pode começar um recuo tático. No primeiro, um relatório divulgado pelo jornal The New York Times informa que o Pentágono chegou à conclusão de que o modelo de duas guerras simultâneas, Iraque e Afeganistão, se tornou inviável pelo custo e pela ''força da realidade''. No segundo, Rússia e China, associados aos países da Ásia Central, exigem que a Casa Branca se retire das bases instaladas no entorno do Afeganistão para o ataque aos talibãs. As instalações militares são um empecilho à reafirmação da influência de Pequim e Moscou sobre uma região importante pela riqueza em petróleo e gás.

Segundo o NYT , o documento do Pentágono, assinado pelo general Richard Myers, defende que as tropas, hoje treinadas para enfrentar duas grandes operações ao mesmo tempo, passem do ataque à defesa do território americano de terroristas. De acordo com fontes militares, a situação no Iraque influenciou a discussão, impulsionada por uma revisão periódica nas estratégias a cada quatro anos. O intenso debate reflete também o fato de que as autoridades têm encontrado dificuldades em manter as forças no Iraque e Afeganistão com o atual orçamento. A opção seria, então, abrir mão do combate ao terror em outros países em prol de uma estratégia de blindagem interna.

A decisão, se comprovada, representaria uma guinada radical na política americana. Desde o 11/9, o presidente George Bush afirma que pretende caçar os terroristas. Em vários dos discursos antes da reeleição, o presidente disse que ''não haveria mais local seguro para quem apóia ou participa de ações contra os EUA e seus aliados''. Os generais no Pentágono, porém, argumentam que a concentração de soldados e armas em terras afegãs e iraquianas ''limita a habilidade em lidar com outros conflitos potenciais'', além de forçar a manutenção de uma reserva para responder a outra guerra, de igual porte, que porventura se inicie. Há, hoje, 138 mil homens apenas no Iraque e, por mês, esse contingente consome US$ 5 bilhões.

O NYT afirma que o Pentágono ''passou anos dizendo que as forças eram suficientes para duas guerras'', e que agora descobriu que não são. Um militar ouvido pela reportagem diz que a nova percepção surgiu por causa da ''força da realidade'', em alusão às ações cada vez mais violentas da guerrilha.

No Afeganistão, onde os EUA mantêm 18 mil homens, a situação não é melhor, em uma semana marcada pela perda de 19 soldados de elite e de um helicóptero, abatido pelos talibãs. Além disso, os americanos enfrentam a fúria do presidente Hamid Karzai pela represália à ação da guerrilha, que matou 17 civis, incluindo mulheres e crianças, de uma aldeia. Ontem, chineses, russos e representantes de quatro ex-repúblicas soviéticas que integram a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) requisitaram um cronograma de retirada das bases cedidas para o ataque à milícia, em 2001. Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, China, e Rússia afirmam que a fase de operações militares no Afeganistão acabou e que é preciso encerrar a presença militar dos EUA em terra e no ar.

Outro ponto importante é a cláusula ''de inadmissibilidade do monopólio ou dominação dos assuntos internacionais'', uma referência à crescente influência dos americanos na região. A declaração de ontem, por sinal, é similar à assinada por Vladimir Putin e Hu Jintao na semana passada, e que foi chamada de ''Ordem Internacional no Século 21''. Nos bastidores, a queixa comum e explicitada na reunião da SCO: a atuação ''estrangeira'' nas revoltas que derrubaram três regimes pró-Rússia: Ucrânia, Geórgia e Quirguistão. Analistas dizem que a bronca é dirigida à Casa Branca, que encoraja a queda de governos autoritários na Ásia Central. Os chineses também investem pesado para ampliar seu acesso às abundantes fontes de energia na região, usando o combate aos extremistas como laço político comum. Pequim é o maior contribuinte na SCO e faz esforços para transformar o acordo em uma aliança forte.