Título: O efeito Jacques Chirac
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/07/2005, Internacional, p. A9

Os oito chefes de estado que integram o G8 (as sete nações mais industrializadas e a Rússia) chegam hoje à Escócia para a reunião em que o francês Jacques Chirac deve roubar a cena do americano George Bush, único declaradamente contrário à opinião do grupo no que diz respeito ao controle das emissões de dióxido de carbono. Há quem aposte que Chirac vai dar trabalho ao primeiro-ministro britânico, Tony Blair, trazendo à tona divergências recentes entre os dois com relação ao orçamento da União Européia (UE). Além de insistir para que o documento final da reunião faça referência ao Protocolo de Kyoto, o que Bush já disse que não assina de jeito nenhum.

Alguns especalistas interpretam a provocação que Chirac fez aos ingleses, na Rússia, domingo, como algo muito além da histórica rixa entre os dois países. Alguns leram nas entrelinhas uma alfinetada de Chirac por conta das diferenças que ele e Blair têm com relação à Política Agrícola Comum (PAC) - o fundo total para a UE é de 303 bilhões de euros até 2013, e um quarto disso seria destinado à França. Tony Blair discorda.

Em encontro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o chanceler da Alemanha, Gerhard Schröder, Chirac disse que ''não se pode confiar em pessoas que têm uma comida tão ruim''. Os ingleses, no caso. Não satisfeito, ainda disse que a única coisa que os britânicos fizeram pela agricultura européia foi a ''doença da vaca louca''.

A provocação fez a imprensa britânica lembrar uma rusga que os dois líderes mundiais tiveram publicamente, em 2002, em Bruxelas, já por conta da PAC. Em seu site, a rede BBC reproduziu ontem a troca de farpas da época.

- Como o senhor pode defender a PAC e, em seguida, pedir ajuda para a África? Não mudar a PAC significa ser responsável pela fome nos países pobres - disse Blair a Chirac.

- O senhor tem sido muito rude. Ninguém nunca falou comigo nesse tom - respondeu Chirac.

- Senhor presidente, o senhor se importa de me deixar, ao menos, explicar a nossa posição com relação ao assunto? - perguntou Blair.

- Sim, eu me importo - encerrou Chirac.

O medo é que Chirac possa repetir a dose e constranger Blair, anfitrião da reunião do G8 desse ano, que começa hoje em um resort em Gleneagles, cerca de 80 quilômetros de Edimburgo, capital escocesa. Foi o que publicaram ontem alguns jornais britânicos, para quem, o súbito bom-humor de Chirac também tem a ver com o fato de os dois países estarem entre os cinco que estão na corrida pela sede dos jogos olímpicos de 2012. A decisão sai hoje, e Chirac só vai saber do resultado quando já estiver a caminho da Escócia.

Indignados, jornalistas publicaram artigos criticando o presidente francês - o The Times chamou o incidente de ''desastre diplomático'' - e alguns, ontem, tentaram fazer Blair responder às provocações. Mas ele preferiu a cautela.

- O G8 vai manter seu foco em assuntos que são realmente importantes. E não estou aqui para depreciar ninguém. Aliás, nesse momento, eu não quero cair na tentação de seguir por esse caminho (o da provocação) - disse Blair.

De Chirac, os jornalistas só receberam uma curta nota via assessoria de imprensa, dizendo que a reportagem do Libération, que publicou as piadas, não refletiam nem o tom nem o conteúdo do encontro que ele teve na Rússia, com Putin e Schröder.

A reunião do G8 também vai receber chefes de estado da África, já que a ajuda humanitária àquele continente será, ao lado da mudança climática, o outro item da pauta desse ano. Em Syrte, Líbia, ontem, os chefes de estado africanos divulgaram o documento que vão entregar a Blair em nome da União Africana. A carta pede comércio mais livre, aumento da ajuda financeira e o cancelamento das dívidas do continente.