Título: Escombros petistas
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/07/2005, Opinião, p. A10

Um espectro ronda o presente do Partido dos Trabalhadores: a incredulidade popular, inclusive de seus (ex-) eleitores. Um outro espectro, ainda mais perturbador, ronda o futuro dos morubixabas do PT: o golpe mortal sobre a credibilidade ética e moral, patrimônio histórico hoje relegado ao passado da legenda. O sobressalto de insones assombrados com os rumos antes inimagináveis do partido não se encerra com a queda do secretário-geral Silvio Pereira e do tesoureiro Delúbio Soares. Petistas, não-petistas e antipetistas sabem que é apenas o começo. Outros baques virão. A soturna previsão justifica-se pela sucessão de equívocos que empestou a face e o coração do partido. A pulverização da credibilidade, parece evidente, revela poucas chances de recuos. Os brasileiros, afinal, não imaginavam que um dia desabaria a imagem de retidão que sempre gravitou ao redor dos petistas mais notáveis. Boa parte deles encontra-se hoje, direta ou indiretamente, ameaçada: do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, passando pelo comandante do partido, José Genoino, e pelos demais integrantes da cúpula.

Todos, de um modo ou de outro, saem tisnados das seguidas revelações na imprensa - do ''mensalão'' às relações promíscuas com doadores de campanha que mais tarde fechariam contratos milionários com estatais; do aval do publicitário Marcos Valério a um empréstimo bancário de R$ 2,4 milhões aos desmentidos de Genoino e Delúbio quando perguntados sobre as ligações mais próximas com o ''homem da mala''. Para explicar o esfacelamento moral do PT, não se deve esquecer ainda as evidências de loteamento de cargos, habitualmente utilizado para saquear recursos públicos em benefício de partidos e trombadinhas engravatados.

Mesmo as vozes menos sensatas reconhecem os caminhos inevitáveis a seguir para minimamente recompor a credibilidade perdida. Ao presidente Lula, convém instruir os aliados no Congresso a desistir de vez das saídas diversionistas para tentar abafar as investigações. Os padrões atingidos até aqui revelam a inutilidade da proteção a malfeitores. A gravidade exige ainda romper as promíscuas relações que movem PT e governo. Trata-se de uma fusão perigosa, conforme se viu na desenvoltura com que Silvio Pereira e Delúbio Soares trafegaram pelos corredores do Palácio do Planalto e do Congresso.

Ao PT, sugere-se esquecer a soberba frívola que lhe domou o espírito e turvou a visão capaz de perceber o avanço da irresponsabilidade no apetite voraz pelo poder. Um pouco de humildade fará bem ao partido. Em outras palavras, não será má idéia acatar a sugestão de um grupo de deputados petistas, que pedem um choque de ação por parte do partido e a saída de todos os dirigentes da atual executiva para que possam se defender das acusações em curso. Tal humildade faltou, por exemplo, no episódio do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, quando Dirceu deveria ter abandonado o governo.

A única credibilidade a sustentar os resquícios de governabilidade é a economia. Mérito para os ministros Antonio Palocci, Paulo Bernardo e demais integrantes da equipe econômica, avalizados pelo presidente Lula. No plano político, contudo, a credibilidade foi corrompida de modo indelével. O resgate somente virá por meio de uma precisa cirurgia política, para a qual o PT e o Palácio do Planalto não parecem revelar atributos razoáveis. Os cidadãos de bem saberão cobrar do governo e do Congresso o compromisso com a limpeza da corrupção forjada pelos insensatos. Nesse pedregoso caminho, muitos escombros ainda surgirão.