Título: O sonho acabou
Autor: Gilson Caroni Filho*
Fonte: Jornal do Brasil, 06/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

Palocci não hesitou. Ao afirmar que ''problemas no campo político se resolvem no campo político e os econômicos, no campo econômico'', o ministro da Fazenda não ignorou apenas que a economia é filha da filosofia moral . Sinalizou, de maneira explícita, o que norteava o governo petista: o descolamento da esfera econômica em relação à prática política, independente do preço que custasse tal estratégia. Os 42 líderes de movimentos organizados que foram a Brasília prestar apoio ao presidente Lula, em troca de mudança na política econômica, não sabiam, mas eram idéias fora do lugar. No Salão Oval do Palácio do Planalto não serviriam como material de blindagem. A música ambiente era, e será, monetarista como indica a partitura da agenda. E a moeda de troca que, hoje, produz o esfacelamento da cúpula, era tida como a práxis de uma dialética cínica. Recentemente o deputado Paulo Delgado (PT-MG) disse à imprensa estar triste com os rumos do governo. Revelou que ''quando você chega ao poder e é obrigado a construir uma base parlamentar que não contém os símbolos de mudança que o elegeram, os fatores de frustração são maiores que os de admiração''. Pura falácia. A aliança não foi causa do abandono de velhos projetos. Pelo contrário, o aprofundamento da política tucana foi o regente das novas e danosas parcerias. O desempenho na área social não é mera incapacidade de implementação de programas, mas conseqüência inevitável da prioridade dada à ortodoxia neoliberal. Quando o marketing substitui a política, o desfecho do espetáculo pode estar em saques suspeitos de agências poderosas. O capital que, atraído pelos juros de 19,75% ao ano, garante suposta estabilidade, ignora intenções passadas. Das lideranças políticas demanda o mesmo amoralismo de sua reprodução.

Delgado disse ainda: ''Quando nós não enfrentamos a estrutura fisiológica do Estado, e aceitamos o jogo nesse terreno, o PT perdeu força para fazer as mudanças. No primeiro ano exaurimos a liderança de Lula sem modernizar o Estado''. É verdade. O partido que abandonou um projeto difuso de socialismo para chegar ao governo foi além. Quem anunciava modernização de estruturas e instituições, acabou por reforçar o que de mais anti-republicano existe no cenário da política. O chamado núcleo duro só o foi com a ética.

Não serve de consolo à militância, que antes do publicitário Marcos Valério era a avalista do PT, o recente estudo do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, mostrando o melhor desempenho do governo em 56 indicadores contra uma média de 44 de FHC nos mesmos itens. O estudo, de acordo com o autor, não entra na avaliação das políticas, que seriam as mesmas ou estariam muito próximas. Não foi para ser mais competente dentro da mesma agenda que Lula chegou à Presidência.

Blindado pelo setor financeiro, e não pela ''musculatura das instituições políticas'', o governo em disputa virou ''governo em leilão''. Segundo o JB (edição de 28/6) o preço cobrado pelo PMDB estaria na ordem de seis pastas e R$ 6,29 bilhões de repasses da União para os estados. Bem mais que a reforma agrária virtual promovida pelo proprietário das agências SMP&B e DNA.

Para julgar o estado de alma dos atores políticos em evidência, a literatura política deve ceder lugar à fina ironia de Oscar Wilde, em O Retrato de Dorian Gray. A certa altura, o personagem Lorde Henry enuncia: ''Contudo não pretendo discutir política, sociologia ou metafísica com você. Prefiro as pessoas aos seus princípios, e, prefiro, acima de qualquer coisa neste mundo, as pessoas sem princípios''. Daria um excelente secretário-geral.