Título: Além do Fato: Os custos da política monetária
Autor: Tito Ryff
Fonte: Jornal do Brasil, 06/07/2005, Economia & Negócios, p. A18
Caso o governo deseje, sinceramente, indagar-se a respeito da utilidade de sua política monetária, três perguntas são relevantes: 1) qual o grau de eficácia da atual política monetária no combate a uma inflação com as características da brasileira? 2) a administração da taxa básica de juros (Selic), pelo Banco Central, tem sido eficiente? 3) não haverá outro instrumento de política monetária mais adequado, nas circunstâncias da economia brasileira, para ser utilizado pelo BC? Com relação à primeira pergunta, é inegável que a elevação da taxa básica de juros acaba tendo alguma eficácia no combate à inflação. O que interessa ressaltar, contudo, é que, nas circunstâncias da economia brasileira, os efeitos da atual política monetária demoram a se fazer sentir e seus custos talvez sejam demasiadamente altos em comparação com os benefícios a serem obtidos. A razão é simples. Os principais componentes da inflação brasileira são a alta dos ¿preços administrados¿ pelo governo, de forma direta ou indireta, e o reflexo, no mercado interno, da forte elevação das cotações internacionais de ¿commodities¿ como o petróleo, por exemplo. Sobre esses preços, o efeito da alta dos juros é praticamente nulo. Restam ¿os preços livres¿, sobre os quais passa a recair todo o peso da consecução da meta de inflação perseguida pelo BC. Esses preços só cairão na medida desejada pela equipe econômica se a elevação dos juros provocar uma brutal redução do consumo interno. Ora, como quem recorre ao crédito para consumo é, principalmente, a população de baixa renda, cuja demanda é pouco sensível à elevação da taxa de juros, o impacto dos juros altos se faz sentir mais fortemente, num primeiro momento, sobre as decisões de investimento e, em seguida, sobre a taxa de câmbio.
A valorização do câmbio, encarecendo exportações e barateando importações, passa, então, a ser um dos principais instrumentos de combate à inflação. Esses impactos diferenciados explicam, em parte, a demora em se obter os resultados desejados pela política monetária do BC.
Ainda que pouco eficaz, a alta dos juros tem sido administrada com eficiência pelo BC? Essa é outra pergunta que merece ser feita. Se, nas circunstâncias da economia brasileira, os efeitos da alta de juros levam muito tempo para se fazer sentir, não seria mais indicado operar baixas e altas da taxa de juros de maneira mais gradual?
Talvez o BC, no início de 2004, tivesse diminuído rápido demais a taxa de juros num momento em que a economia brasileira já dava claros sinais de recuperação e, nos últimos meses, a tenha elevado fortemente sem a devida consideração pelo tempo necessário para que sua política monetária produzisse efeitos. Nesse caso, assistiremos a uma desaceleração da atividade econômica muito mais forte do que o próprio governo desejaria, com as inevitáveis conseqüências sobre o emprego e a renda dos brasileiros. Se a forma como o BC administra os juros exacerba os altos e baixos da conjuntura econômica, como sugere a volatilidade da taxa de câmbio, os custos para a economia brasileira são imensos. Não só em perdas de emprego e renda, mas, também, em função da incerteza que gera para investidores e exportadores.
Finalmente, a última pergunta: não haverá outro remédio de política monetária menos danoso, em termos de efeitos colaterais, do que a alta da taxa básica de juros, cujos reflexos sobre a dívida pública e sobre o câmbio têm conseqüências devastadoras? O professor João Sabóia, da UFRJ, em artigo recente, sugeriu elevação do compulsório e/ou alta do IOF como instrumentos monetários mais adequados ao combate à inflação no Brasil. A elevação do compulsório também teria um impacto, embora indireto e, possivelmente, menor, nas taxas de juros dos títulos públicos. Essa medida deve ser avaliada com cautela, pois há grande discussão entre economistas a respeito do que é mais apropriado: aumentar as taxas de juros ou impor restrições quantitativas à expansão do crédito. Quanto à alta do IOF, contudo, as vantagens parecem superar amplamente os inconvenientes. Em vez de aumentar a renda dos ¿rentiers¿ e dos bancos, como acontece com o ¿imposto¿ que é cobrado atualmente, a receita tributária adicional poderia ser destinada aos investimentos em infra-estrutura de que o país tanto precisa. Não haveria, praticamente, impacto sobre o serviço da dívida pública ou sobre o câmbio. Os efeitos se restringiriam ao consumo (por menores que sejam, no caso do Brasil) e ao investimento. Nem ocorreria a perversa transferência de renda, dos mais pobres para os mais ricos, que acontece em nosso país cada vez que a taxa básica de juros se eleva. Reforçar a política fiscal para depender menos da alta da taxa de juros no combate à inflação é providência sensata. Mas talvez não surta o feito desejado se o Banco Central não repensar a administração da política monetária.
*Economista e secretário de Estado de Planejamento do Rio de Janeiro