Título: ''A República não vai cair por conta das minhas palavras''
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/07/2005, País, p. A2

Peça-chave na apuração das denúncias de pagamento de mensalão a deputados, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza confirmou sua amizade com Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, admitiu que se reuniu com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu no Palácio do Planalto, mas disse desconhecer o suposto pagamento de mesada. Em depoimento de mais de 13 horas, repetiu várias vezes que os R$ 21 milhões sacados em dinheiro vivo de sua conta no Banco Rural foram utilizados para pagamento de fornecedores. Ele se recusou, contudo, a dar mais detalhes, apesar da insistência dos parlamentares. Demonstrando tranqüilidade e blindado por um habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal que lhe permitia ficar em silêncio, se o desejasse, Valério respondeu a todos os questionamentos dos parlamentares, utilizando, muitas vezes, respostas curtas como ¿não¿, ¿não tenho conhecimento¿, ¿não sou expert no assunto¿. A conduta irritou parlamentares como senador Pedro Simon (PMDB/RS) que, já passadas quase oito horas de depoimento, rechaçou Valéria dizendo que o publicitário debochava da CPI.

¿ Você acha que eu sou um palhaço? ¿ perguntou o senador. Sem fazer revelações bombásticas, o publicitário confirmou ter sido avalista do PT no empréstimo de R$ 2,4 milhões fechado em 2003, mas negou ter levado R$ 4 milhões para o deputado Roberto Jefferson. Afirmou que jamais negociou cargos no governo, disse que os saques milionários destinavam-se ao pagamento de fornecedores, e negou que haja superfaturamento nos contratos firmados com o governo federal.

¿ Se quiser, podem suspender meus contratos por uma semana e vasculhar tudo. Notas fiscais, pagamentos, listas de fornecedores. Não há como superfaturar os contratos ¿ afirmou.

O depoimento de Valério foi encerrado pouco depois das 23h. Durou mais de doze horas. Os senadores Delcídio Amaral e Maguito Vilela se alternaram na presidência da CPI.

Acompanhado por seus advogados e repleto de pastas com contratos, Valério lembrou que a maioria de seus documentos de publicidade foram assinados durante o governo Fernando Henrique. Na gestão atual, teria assumido as contas dos Correios e da Câmara, durante o mandato do deputado João Paulo Cunha (PT-SP).

O publicitário jurou desconhecer o assunto mensalão e confirmou ser amigo pessoal do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Negou, no entanto, ter relações pessoais com o presidente do PT, José Genoino, o ex-secretário-geral Silvio Pereira e o ex-chefe da Casa Civil, o deputado José Dirceu.

Valério também atacou sua ex-secretária Fernanda Karina Somaggio, levantando suspeitas de que ela recebeu dinheiro para conceder entrevista à revista IstoÉ Dinheiro.

O terremoto que se anunciava com seu depoimento acabou sendo pequeno diante da expectativa que cercava governistas e oposição. Irritados diante das respostas frias do depoente, deputados do PSDB e do PFL, em especial Ônix Lorenzoni (PFL-RS), partiram para as críticas pessoais, chamando Valério de ¿lavanderia ambulante¿ e ¿traficante de influência¿. Impávido, o publicitário diminuiu seu papel na crise política vivida pelo governo Lula.

¿ Sou apenas um cidadão, a República não vai cair por conta das minhas palavras. Também não tenho preocupação com minha vida. Se morresse hoje, só quem choraria é a minha família.

Irônico, o publicitário fez um apelo dirigido à filha:

¿ Não assuma minhas empresas e não trabalhe para o governo ¿ disse, engolindo um princípio de choro.

Sobre o empréstimo ao PT, financiado junto ao BMG, Valério confirmou que o fez por amizade a Delúbio. Os recursos, segundo ele, saíram da SMP&B. A CPI deixou para hoje, às 11h, o depoimento da ex-secretária Fernanda Karina Somaggio.