Título: O ponto de vista africano
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/07/2005, Internacional, p. A8
Manifestantes que voltaram a enfrentar a polícia ontem nas imediações do hotel onde o G8 está reunido não surpreenderam o repórter do jornal Sunday Standard, do Quênia, John Kamau. Ele foi à Escócia especialmente para cobrir o evento que discute a melhor forma de ajuda financeira das nações ricas aos países do continente onde nasceu.
''Esses protestos me lembraram de casa. Não me assustam. Cansei de cobrir coisas assim em Nairobi'', escreveu no diário que mantém no ar, no site da BBC, desde que chegou.
Esses protestos - que resultaram ontem na prisão de 182 pessoas e dezenas de feridos - dificultaram a vida de um dos poucos jornalistas africanos destacados para cobrir a reunião do G8. Por conta dos confrontos - em um deles, os manifestantes derrubaram uma cerca metálica que isolava o local do evento -, Kamau levou horas para chegar lá e chegou a temer ser atacado por grupos de radicais:
''Me alertaram que eu poderia ser alvo dos anarquistas por causa da minha cor, mas não foi o que senti. Estou louco para chegar logo aonde as coisas estão acontecendo. Aliás, ver a polícia batendo nos manifestantes também me fez lembrar de casa.''
Kamau só lamenta que não haja muitos jornalistas africanos na Escócia: ''Eu tenho a sensação de que sou um dos poucos, o que é uma pena. Quem vai falar da África para a própria África se os jornalistas de lá não estão aqui? De qualquer forma, me sinto ótimo por ter a chance de ter vindo, de ver as coisas de perto. Tem tudo a ver conosco, afinal de contas''.
O repórter também faz críticas ao encontro em si e ironiza dando uma sugestão aos líderes mundiais.
''Nesse momento, acho que um evento do porte dessa reunião do G8 deveria estar sendo realizado na minha terra. Aliás, teria sido um exercício melhor de relações públicas se (os líderes mundiais) tivessem ido para a África e vivido com menos de US$ 1 por dia, como alguns de nós fazem, durante o encontro. Perderam a chance de ver, respirar e saber o que é a pobreza - e não estou falando da definição de pobreza que consta no Dicionário Oxford''.
Ao criticar a realização da reunião na Europa, Kamau lembra que há 100 anos foi também naquele continente que aconteceu o encontro de líderes em que a África foi dividida em colônias.
''Também tenho medo de que um assunto (a ajuda à África) que vai ficar tanto tempo em evidência acabe cansando a imprensa do Ocidente. Eles podem acabar desistindo de publicar reportagens sobre o tema, como já fizeram com o tsunami''.