Título: Pessimismo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/07/2005, Opinião, p. A10

As declarações do presidente George Bush no primeiro dia da reunião do G-8 oferecem evidências práticas ao clima de pessimismo que antecedeu o encontro frente ao esforço internacional para conter o aquecimento do planeta. Dos sete países mais ricos do mundo, somados à Rússia, apenas os Estados Unidos se recusam a enxergar o óbvio: sem um significativo controle das emissões de dióxido de carbono e outros gases, conforme prevê o Protocolo de Kyoto, não haverá alternativa factível para conter o crescente aumento da temperatura global. Os efeitos da insistência americana, alertam cientistas respeitáveis, serão demasiadamente perturbadores e exigem ação coordenada dos maiores poluidores do planeta. Hoje há um raro consenso entre líderes mundiais de que o Protocolo de Kyoto constitui um passo histórico da racionalidade e da cooperação contra a insensatez. Trata-se de um raro exemplo de mobilização envolvendo governos e sociedades contra a autoflagelação global - neste caso, as emissões de gases tóxicos, que se transformaram num veneno depositado no ar que respiramos.

A posição de Washington pode revelar-se desastrosa internamente. Embora Bush argumente que Kyoto, com suas metas de emissões, destruiria a economia americana - um exagero retórico - e lembre ações domésticas pontuais, é preciso reconhecer que boa parte dos movimentos ambientais em defesa do desenvolvimento sustentado originou-se dos EUA.

Eis um exemplo de como o mundo tende a tornar-se vítima do atraso das nações mais ricas. Mas não o único. Basta lembrar a insistência da França em favor das barreiras agrícolas, que impõem dificuldades aos países em desenvolvimento. Daí a importância da presença de líderes como o presidente Lula, um reconhecimento do papel do Brasil no jogo internacional. Lula pode aproveitar a reunião sobretudo porque estarão em debate também a ajuda à África e o combate à pobreza do mundo - temas sobre os quais o presidente tem contribuições relevantes a oferecer.

No esforço contra a fome ou contra os gases tóxicos, os líderes sabem os sacrifícios requeridos para reduzir os riscos do futuro. O desafio, contudo, será confirmar, na prática, as inquietações resumidas ao plano da retórica.