Título: A China vem atropelando
Autor: Paulo Samico
Fonte: Jornal do Brasil, 07/07/2005, Outras Opiniões, p. A11
Certamente estamos vendo e participando ativamente da descoberta de um grande mercado e de um novo pivô econômico no cenário internacional. A China, com seus 1,3 bilhão de habitantes, e com crescimento econômico projetado para esse ano de 8,5%, número que coincide justamente com a média espetacular desses últimos dez anos, tem afetado as relações cambiais e comerciais, seja de países desenvolvidos, como Estados Unidos e da União Européia, ou em desenvolvimento como no caso do Brasil.
O interessante é que, como novo futuro membro da OMC, a China deve observar as regras de comércio estabelecidas pela entidade, e sujeitar-se às suas sanções.
Recentemente Washington pressionou Beijing no sentido de adotar medidas para valorizar o yuan, já que se mantém artificialmente desvalorizado, o que gerou volume de comércio de cerca de U$ 1,1 trilhão em 2004, e já indicando um crescimento de 30% em 2005.
Essa tática, conduzida por um sistema necessariamente central, viola frontalmente as regras de comércio ditadas pela OMC e aponta para ações de manipulação que só têm sentido em economias que não adotam regras de mercado.
Claro que a China terá que compensar os americanos de outra forma, já que a valorização da moeda chinesa hoje seria um tiro no próprio pé, justamente pelo tamanho das reservas chinesas em dólar, de mais de U$ 450 bilhões. Já para os americanos....
Afinal, grande parte do déficit americano está sendo financiado pelos chineses, que são cada vez mais audaciosos em sua investida rumo ao ocidente.
Da mesma forma ocorre com a União Européia, pressionada pela invasão de produtos têxteis fabricados e exportados a preços extremamente baixos pelo gigante asiático. Nesse caso, parece que a gritaria ainda não surtiu efeito. A china voltou atrás na decisão de aplicar o imposto de exportação sobre 74 itens têxteis que mais afetavam as indústrias americana e européia. Também pudera: enquanto a média de salário/hora nos EUA é de U$ 9,24, na China é de U$ 0,68.
Até a Argentina estabeleceu salvaguardas através dos decretos 1859 e 1869, publicados em dezembro do ano passado.
O Brasil parece não temer qualquer invasão de produtos chineses, pois reconheceu a China como país que atua dentro das regras de mercado, o que significa que acredita-se que os preços de venda na China são preços correntes e usualmente utilizados como em qualquer outra economia de mercado, sem que sejam construídos conforme interesses do governo central. Ora, a adoção de um câmbio fixo e comprovadamente viesado para a construção de exportações crescentes, já demonstra qual a intenção.
Esse reconhecimento, ainda bem, está sendo condicionado à contrapartida chinesa em investimentos no Brasil, o que ainda não se deu.
Os empresários têm feito o seu papel ao apontar os riscos em manter-se essa decisão e sugerem ações que mantenham o comércio livre e crescente com a China, pois é inconcebível abrirmos mão de participar com maior intensidade de um mercado daquele tamanho. No entanto, deve ser cobrado do governo a adoção de mecanismos específicos de defesa do seu mercado contra a invasão desleal chinesa.
As estatísticas apontam para uma inversão do saldo comercial com os chineses. Enquanto as exportações brasileiras para a China cresceram apenas 20% de 2004 e 4% nos quatro primeiros meses deste ano, as nossas importações avançaram 72% e 58%, respectivamente. Para piorar, enquanto estamos exportando nesse ano para os chineses mercadorias de baixo valor unitário (US$ 83/ton), estamos importando deles bens de grande valor agregado (US$ 1.520/ton).
A diferença entre indicadores econômicos dos dois países explica essa trajetória do comércio bilateral: a carga tributária no Brasil é de 37%, enquanto na China é de 15%, dando maior lucratividade à produção; o spread bancário na China é de 5%, dando plenas condições ao crescimento do investimento, enquanto no Brasil é de 50%; e a moeda, que no Brasil persiste no caminho da valorização, na China o yuan está desvalorizado em 25%.
O governo central chinês tem compromissos com os quase 15 milhões de chineses que têm que ser colocados anualmente no mercado de trabalho. A obrigação de criar emprego para todos gera grandes produções com comprovadas distorções de custo, e que têm que ser colocadas em algum mercado, e nesse caso, apostam que o mercado do mundo é grande o suficiente para isso.
Nosso governo deve agir rapidamente para que os empregos criados lá não sejam em detrimento daqueles perdidos aqui e para que as políticas adotadas de forma planificada na China sejam aqui neutralizadas com ações regulatórias que tranqüilizem aqueles que aqui produzem.
*Paulo Samico é diretor da PSV Trading e Conselheiro da Firjan