Título: A verdadeira reforma do Estado
Autor: Senador João Capiberibe
Fonte: Jornal do Brasil, 07/07/2005, País, p. D2

A reforma do Estado brasileiro tornou-se uma imposição natural, evidenciada pela recente crise. Duas medidas são indispensáveis para embasar essa reforma. Em primeiro lugar, a drástica redução dos cargos de confiança, preenchidos livremente pelos poderosos de momento. Em segundo, a revisão do estatuto dos servidores, de modo a que possam sofrer sanções, inclusive de imediato afastamento da função, em caso de suspeita de irregularidades.

Existem hoje no Executivo federal cerca de 25 mil cargos comissionados, ou seja, de livre provimento. Caso se somem as estatais, esse número duplicará. A eles devem ser adicionados os cargos de confiança de Estados, Municípios e Distrito Federal para que se tenha uma idéia do volume de postos a serem ocupados a cada novo mandato que se inicia.

Cargos de confiança existem em qualquer regime. Deles é que, freqüentemente, depende-se até para que um partido, um mandatário, execute seu programa. No entanto, não é aceitável que seu número atinja as dimensões que chegou no Brasil. Levará necessariamente a distorções, uma vez que o compromisso básico dos nomeados será com quem o colocou lá e não com os usuários dos serviços públicos ou com a defesa do Estado.

Essa é a razão principal para a presença de ocupantes de cargos comissionados nas listagens dos responsáveis pelos sucessivos escândalos que atingiram o País nas últimas décadas. Sabemos que o empreguismo e o clientelismo desembarcaram no Brasil com Pedro Álvares Cabral - ou o escriba Pero Vaz de Caminha não teria pedido emprego para o genro ao rei Manuel o Venturoso - mas a verdade é que, de lá para cá, poderíamos ter avançado mais no combate a essas pragas. Outros países o conseguiram.

Tendo quadros capacitados, com qualificação apurada em concurso, certamente o serviço público poderia atender muito melhor o seu público-alvo - que costuma ser o conjunto dos estratos de menor renda da população. Seria possível promover uma reorientação em seu foco, tornando sua ação menos vulnerável ao dia-a-dia do jogo partidário e mais vinculada a objetivos de prazo mais longo.

Seria ingenuidade acreditar, porém, que a redução do número de cargos comissionados bastaria para garantir plena qualificação ao serviço público ou para blinda-lo contra a corrupção. Não se deve esquecer que, nos recentes escândalos, houve, sim, a participação de funcionários de carreira.

Por isso mesmo é indispensável que a reforma do Estado inclua medidas capazes de prevenir e punir de forma eficiente qualquer desvio de conduta. Deu-se um passo nesse sentido com a reforma administrativa que alterou o art. 41 da Constituição, abrindo a possibilidade de que o servidor público, mesmo estável, possa ser afastado mediante processo administrativo e mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho.

Os princípios estão corretos, mas infelizmente não se conseguiu que sejam aplicados de forma eficiente. Precisa-se, portanto, redefinir esses mecanismos, adequando-os à nova realidade que se pretende construir e tornando-os instrumentos capazes de disciplinar a conduta dos agentes do Estado.

A redução da proporção de cargos de livre provimento nos quadros do Estado e a adoção de medidas eficazes para orientar a conduta do funcionalismo só produzirão resultados, porém, caso o País conte com o controle social do Estado. A forma de se conseguir esse controle social é a transparência nos atos públicos.

Dispomos de meios para isso desde que se começou a conviver com a Internet. A experiência desenvolvida no Amapá e seguida por outros órgãos públicos mostrou que, mediante a disponibilização de informações sobre receita e despesa do Estado, on line, consegue-se um acompanhamento produtivo e elucidador. A experiência pode se tornar nacional e impositiva com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de projeto de lei complementar já aprovado pelo Senado.

Esses três componentes - a profissionalização completa do serviço público, a adoção de mecanismos corretivos da ação de seus agentes e a completa transparência dos atos do governo - reúnem os ingredientes básicos para orientar o Estado na direção da abertura à população e da qualidade dos serviços que presta. Nesse rumo, esperamos que se consiga reaproximar o Estado da Nação, primeiro passo para enfrentar o sentimento de decepção e de revolta que atinge hoje os brasileiros.