Título: O inimigo eterno
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 08/07/2005, País, p. A8

A análise que especialistas fazem de ataques como o de Londres é assustadora: não há lugar 100% seguro no mundo. Principalmente quando a motivação dos terroristas tem um componente religioso e filosófico e quando os envolvidos não temem perder a própria vida. O que faz deles inimigos imbatíveis, portanto, quando decidem agir. Tanto é assim, que as próprias autoridades britânicas, depois dos atentados, chegaram a admitir que não era uma questão de a nação se perguntar ''se'' seria alvo um dia dos terroristas. A pergunta, no caso, sempre foi ''quando?''. A resposta veio ontem, tragicamente. E deve afetar as decisões do governo britânico para o futuro e obrigar o mundo a uma mudança de estratégia na luta contra o terror.

- Precisamos lembrar que Londres é uma das capitais européias que mais estão familiarizadas com esse tipo de realidade. E aconteceu lá, por mais ''preparada'' que pudesse estar - disse ao Jornal do Brasil, de Washington, o professor David Rothkopf, do instituto americano Carnegie Endowment for International Peace, com sede em Washington.

Mas, ao analisar o ataque em si, Rothkopf apresenta um desafio que, na sua opinião, a comunidade internacional vai ter que enfrentar e manter uma posição firme.

- Há um paradoxo aqui. Sabemos que, numa sociedade livre, sempre haverá a possibilidade de incidentes assim. Queremos mais segurança? Temos, então, que decidir do quanto das liberdades individuais estamos dispostos a abrir mão para deixar que seja estabelecido um controle que tente nos proteger de ameaças dessa natureza.

Para Rothkopf, os britânicos têm de esperar passar o calor dos acontecimentos para responder a essa pergunta e decidir se querem pagar o custo de sua segurança.

- Aqui, será primordial a atitude que (o primeiro-ministro Tony) Blair vai tomar. Acho que, ao contrário do que aconteceu na Espanha ano passado, mesmo aqueles que não aprovam a guerra no Iraque deverão tender a apoiá-lo - disse, referindo-se ao prejuízo político que os atentados da Al Qaeda em 2004 causaram na Espanha. Na ocasião, o governo espanhol responsabilizou o grupo basco ETA, teve que voltar atrás no dia seguinte e acabou perdendo a eleição que estava quase ganha.

Rothkopf não acredita que os terroristas tenham escolhido Londres para, de alguma forma, ameaçar os oito líderes mundiais que estavam reunidos no país vizinho, Escócia, para a cúpula do G8 (as sete nações mais industrializadas e a Rússia).

- É preciso lembrar que essas pessoas procuram formas de ataque que sejam imediatamente divulgadas para todo o mundo. Se você pensar que há uma concentração maciça de jornalistas no país por conta do encontro do G8, era um ambiente perfeito. Aliás, também acho que a opinião pública mundial vai tender a encarar esse ataque de forma ainda mais negativa: as oito nações mais poderosas do planeta, incluindo a Grã-Bretanha, estão reunidas para encontrar uma forma de ajudar as nações mais pobres.

O diretor do Cato Institute, também de Washington, e especialista em políticas internacionais, Christopher Preble, concorda com Rothkopf. E acrescenta, em entrevista por telefone, que Tony Blair não deverá alterar em nada o apoio que tem dado à guerra de George Bush no Iraque.

Mas alerta para o fato de que Blair precisa ter cuidado ao fazer movimentos que possa ter planejado antes do ataque. Preble se refere aqui ao anúncio de que a Inglaterra poderia diminuir o número de soldados no Iraque.

- Mesmo que todos saibam que essa decisão teria sido tomada antes dos ataques, corremos o risco de os terroristas tentarem fazer o mundo acreditar que isso foi resultado da última ação em Londres, o que não é verdade.

O americano Barnett Rubin, um dos maiores especialistas em Al Qaeda do mundo, vê no atentado os sinais indeléveis da organização. Para ele, é ingenuidade achar que os terroristas esperam que suas ações obriguem líderes mundiais a mudarem sua política internacional - especialmente quando há uma guerra.

- Os extremistas sabem que não têm esse poder. O que querem é mobilizar a opinião pública em torno de sua causa. E, ainda, mostrar aos Estados Unidos e Inglaterra, nesse caso específico, que não podem ser derrotados tão facilmente - avalia.

Contrário à guerra no Iraque, Rubin, que está no Rio para uma série de palestras promovidas pelo Viva Rio e pelo Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, explica que o conflito que os EUA chamam de ''guerra ao terror'' no fundo transformou o país de Saddam Hussein numa ''escola''.

- Quando eles (americanos e tropas aliadas) invadem um país e instalam o caos, sem, de fato, reconstruí-lo, a região vira um imenso centro de treinamento de terroristas. Graças à guerra, o Iraque é hoje o que o Afeganistão foi no passado.

Barnett Rubin explica que é preciso levar a sério o fato de que, para alguns povos e grupos - terroristas ou não -, os EUA representam o mal, o que dá ao problema uma gravidade maior do que a maioria dos conflitos entre nações da atualidade.

- O mundo precisa que esse problema seja enfrentado de uma forma política. Nesse caso, a guerra não resolve - completa Rubin, ex-consultor das Nações Unidas e ligado ao Centro de Ações Preventivas e Estudos de Paz e Conflitos no Council of Foreign Relations, de Nova York.