Título: O idealismo adolescente em literatura séria
Autor: Paula Barcellos e Vivian Rangel
Fonte: Jornal do Brasil, 08/07/2005, Rio, p. A16

Um homem perseguia um cachorro por vários quarteirões de um bairro em Jerusalém. Ao cruzar com o escritor David Grossman perguntou se ele conhecia o dono do cão. Grossman negou e perguntou porque ele estava acompanhando o cão por tantos metros. O desconhecido afirmou que aquele era um cachorro muito esperto e que com certeza o levaria até o dono. Grossman ficou emocionado com a atitude do homem e resolveu lhe dar os parabéns. Foi então que descobriu que o homem era agente sanitário e seu único objetivo era preencher uma multa bem alta. A história verdadeira foi narrada na última mesa de debates da Festa Internacional Literária de Paraty (Flip) para provar que a inspiração literária está onde menos se espera. E que até mesmo um cachorro perdido pode dar origem a um romance como a história que levou David Grossman a escrever Alguém para correr comigo (Companhia das Letras).

O autor israelense, que também é jornalista, afirmou que faz ficção para jovens porque tenta manter a fé no idealismo que é imprescindível a todos que têm 16 anos. Além disso, ele confessou que é a escrita que o ajuda a recuperar a singularidade:

- Vivemos em um mundo reduzido a números, onde a individualidade está ameaçada. Sinto que mesmo ao lado das pessoas há uma barreira protetora enorme e escrever é a forma mais poderosa de entrar na intimidade alheia. Se transmutar em outra pessoa é tão íntimo quanto fazer sexo.

O debate, mediado pela presidente da Flip, Liz Calder, contou também com o escritor Michael Ondaatje, autor de O Paciente Inglês (Editora 34) e foi o mais concorrido do segundo dia de festa em Paraty.

Ondaatje leu poemas e trechos de Anil's Ghost (sem tradução para o português), que conta as aventuras de uma jovem no Sri Lanka. O escritor explicou como define se suas histórias, que levam muitos anos para serem finalizadas e começam a partir de fragmentos de sua memória, serão transmutadas em romance ou versos:

- Sei que preciso escrever poesia quando sinto a necessidade de falar de igual para igual, diretamente. Claro que insiro coisas pessoais no romance, porém os versos são mais profundos e mais incisivos.