Título: Líderes tentam salvar o futuro
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Fonte: Jornal do Brasil, 30/05/2005, Internacional, p. A8

A derrota do governo francês no referendo, segundo analistas, não deixa a França apenas enfraquecida. A rejeição teria atingido a União Européia como um todo, ao evidenciar a dificuldade de aproximação entre os países-membros que não adotaram o euro como moeda. Além disso, igualmente enfraqueceria a moeda única e retardaria os planos de nações como Turquia e Croácia de fazerem parte do bloco.

- Esse 'não' contra o governo leva ao risco de que a Europa sofra uma paralisia de instituições que poderia levar à queda da moeda frente ao dólar, ao iene e à libra esterlina - avalia Emmanuel Ferry, economista do Exane-BNP Paribas.

Tantos sinais fizeram líderes políticos europeus correrem para tentar salvar a Carta, endossada por nove países, ou 220 milhões de pessoas (49% da população da UE). Na quarta-feira, será a vez de a Holanda votar e há temores de que os índices franceses se repitam.

- O veto francês é decepcionante, mas o processo continua. Esse resultado dá aos holandeses mais um motivo para votar 'sim' - avaliou o primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende. - Nosso povo deve ter sua própria decisão - acrescentou.

O ministro de relações exteriores da Grã-Bretanha, Jack Straw, saiu em defesa da continuidade do acordo, mas pediu uma reflexão sobre o futuro.

- O resultado suscita grandes perguntas para todos nós sobre a direção da Europa, sobre nossos desafios e os do mundo, sobre a habilidade da UE para responder a esses desafios e às reivindicações de seus cidadãos. Nossa opinião sempre foi a de que o tratado constitucional era um bom acordo para o Reino Unido e a União Européia - declarou.

Já o chanceler alemão, Gerhard Schröder, afirmou que a parceria entre a Alemanha e França continua intacta.

- O resultado é um golpe no processo constitucional, mas não o fim dele. E também não é o fim dessa parceria - avaliou, em consonância com o ministro das relações exteriores Joschka Fischer, para quem se está diante de um percalço.

- É preciso respeitar este voto, apesar de o governo alemão ter desejado outro resultado. É um bom tratado - avaliou Fischer, corroborado pelos governos da Itália e de Portugal, além do presidente do parlamento Europeu, Joseph Borrel.

- A Europa continua, as instituições funcionam plenamente e quase a metade da população aprova o Tratado. A construção européia já conheceu momentos difíceis e soube sair deles fortalecida. Novamente encontraremos os meios para fazê-la avançar - avaliou.

O cenário é pessimista, segundo John Palmer, diretor do instituto de análises European Policy Centre, de Bruxelas.

- Este cenário poderá causar conflitos na reunião de cúpula da UE, em 16 de junho, em Bruxelas. As autoridades poderão ter de escolher ali entre constatar a morte do tratado ou levar o processo de ratificação até o fim. Acredito que devam decidir continuar por razões democráticas. O fato de os franceses e holandeses votarem 'não' não deveria privar os outros povos de se pronunciar - explica Palmer.

E é essa contagem que pode fazer a balança se equilibrar novamente em favor do bloco, em uma hipótese mais otimista.

- Até o fim do ano, serão quatro referendos: Luxemburgo, em julho; Dinamarca, em setembro; e Portugal, em outubro, além do holandês - lembra Marco Incerti, do mesmo centro. - A soma desses resultados aos que já existem nos dará mais informação e, a partir daí, se poderá afirmar: realmente, muitos povos dizem 'sim'. Então poderia ser necessário voltar a perguntar aos franceses. O problema é que o que houve na França abre um período de confusão, incerteza e recriminação - destaca o especialista.