Título: Ação humana e moral
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 30/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

A ciência econômica - e, generalizadamente, a da ação humana - é mais fria do que uma geleira, porque é neutra sob o prisma ético, nada tendo a dizer sobre se um ato é moralmente bom ou mau. Mas ações moralmente neutras, como a compra de um bombom, moralmente más, como os recentes acontecimentos em Rondônia e a invenção de métodos abortivos, e moralmente boas, como o exercício da política para o bem comum. Se a sociedade não for regida, do nível do indivíduo e da família até o do Estado, por um conjunto consagrado de preceitos morais, que demarquem com clareza as fronteiras entre bom e o mau - normas que, no Ocidente, sempre foram as da tradição judaico-cristã - descambará fatalmente para o mal.

Há leis que podem fazer germinar o mal, como as que tisnam o princípio basilar da propriedade privada e como esse modismo chamado ''direito alternativo'' ou ''relativo'', fruto do abandono de um referencial claro entre o agir correta ou incorretamente, que pode colocar em risco a própria lei e contaminar a sociedade, tornando-a absolutamente insegura; há atos políticos que, da mesma forma, produzem malefícios a muitos em detrimento de benefícios gerados para poucos, como o conhecido ''caso Waldomiro''; há teorias antropológicas e sociológicas que, a pretexto de libertar, escravizam o homem, como as que advogam o advento do ''Outro Mundo Possível''; e há uma visão de mundo que incentiva o ódio, como a conclusão parva e infantil de que, se Fulano é pobre, isso acontece necessariamente por que Beltrano é rico; e, mesmo em ciências tidas como ''exatas'', como a engenharia e a física, pode-se construir aviões capazes de dizimar populações inteiras de inocentes e bombas atômicas.

Por tudo isso, os valores de nossa tradição precisam ser preservados, o que implica o abandono desse relativismo moral que nos coloca diante de um verdadeiro supermercado de códigos éticos, desde os que se baseiam em um conceito equivocado de ''liberdade'' de consciência (liberdade exterior, de se fazer simplesmente o que se tem vontade de fazer) até os que pleiteiam que não se deve obedecer a qualquer código moral. O efeito desse enorme conjunto de sistemas éticos é o de estabelecer uma enorme massa cinzenta, que enubla a visão de muitos, tornando-os incapazes de discernir entre o bem e o mal. A liberdade de escolha só adquire um verdadeiro sentido quando fundamentada na verdade, aquele conjunto de valores tradicionalmente tidos como os responsáveis pela indispensável separação entre o que é certo e o que é errado. Trata-se de uma liberdade interior, que permite ao indivíduo separar, por seu próprio saber e vontade livres, o certo do errado, a virtude do vício, o comportamento irracional ou meramente instintivo do racional e dignificante. A compulsão para seguir os instintos exclui a responsabilidade, porém a liberdade da pessoa fazer subjetivamente o que lhe dá prazer deve ser regida pela liberdade responsável, a de agir como deve, ou seja, para bons propósitos. Por isso, lord Acton afirmou que a liberdade não é o poder de fazer o que queremos, mas o direito de sermos capazes de fazer o que devemos.

Para João Paulo II, o exemplo supremo de liberdade é o dos mártires, pessoas heróicas, tão comprometidas com o bem conhecido que se mostraram capazes de permanecer firmes, mesmo sob pressões que ultrapassam a capacidade de resistência da imensa maioria. De fato, colocados diante da alternativa entre negarem seus princípios morais ou perderem a própria vida, livremente escolheram a segunda alternativa, dando completo testemunho da verdade. Há, enfim, uma liberdade que liberta e uma ''liberdade'' que escraviza, o que importa reconhecer que a liberdade sem fundamentos morais nos campos filosófico, sociológico, legal, político, psicológico, antropológico e econômico, pode transformar-se em jugo e, conseqüentemente, em servidão. Convido o leitor à reflexão.

*Ubiratan Iorio, presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep), escreve às segundas-feiras nesta página (lettere@ubirataniorio.org)