Título: Além do Fato: Aviação, questão de soberania
Autor: Graziella Baggio
Fonte: Jornal do Brasil, 30/05/2005, Economia & Negócios, p. A20

Nenhum governo pode desconhecer a importância do transporte aéreo para um país com dimensões continentais como o Brasil. Diante da crise que assola o setor há vários anos, os trabalhadores da aviação civil depositaram esperanças na capacidade do governo Lula para desatar este nó. O que se viu até agora, no entanto, foi um quadro de inércia e de total despreparo governamental para lidar com o setor. O resultado foi o fechamento da Vasp e uma novela interminável no caso da Varig, cujo fim pode ser trágico e de enormes conseqüências para o país. Nos dois casos, a crise foi herdada de governos passados, o que ainda nos permite ter esperanças em uma mudança de atitude do governo federal.

Ao tomar posse, o governo Lula encontrou o sistema de transporte aéreo regular à beira da falência. A guerra tarifária, o excesso de oferta e os prejuízos crescentes explicitavam um quadro de terra arrasada, conseqüência de mais de uma década de má gestão do poder concedente. A Transbrasil havia quebrado e Varig, Vasp e até a TAM trilhavam o mesmo caminho.

Diante da situação caótica e consciente de que a injeção de recursos públicos seria um mero paliativo, o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) apresentou um projeto de reestruturação ao presidente da República. O objetivo era evitar a quebradeira geral e dotar o setor aéreo de um novo marco regulatório, capaz de resgatar os instrumentos de monitoração eficaz do poder concedente e assegurar o equilíbrio econômico e financeiro das empresas a partir do fim da concorrência predatória.

Os trabalhadores, através de seus sindicatos, também propuseram medidas concretas para reduzir o ¿custo Brasil¿ e melhorar as condições de competitividade das empresas nacionais frente às rivais estrangeiras. A proposta de reestruturação apontava, ainda, para alternativas voltadas à massificação do transporte aéreo no Brasil, haja vista que apenas 5% da população é usuária desse meio de transporte. Por fim, o sindicato defendeu o alongamento do perfil da dívida das companhias aéreas, que teriam três anos de carência e quinze anos para amortizá-la.

O governo federal acatou a maioria das propostas apresentadas pelo SNA quando, ao final de 2003, o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) aprovou 18 resoluções que criavam novas regras para o transporte aéreo no Brasil. O impacto da implantação imediata de algumas dessas medidas para a saúde financeira do setor foi bastante positivo. O controle de excesso de oferta, por exemplo, garantiu a volta do equilíbrio operacional ao setor e permitiu a Varig atingir, depois de quase uma década de resultados negativos, um resultado da atividade positivo superior a US$ 130 milhões.

No entanto, boa parte das resoluções, apesar de aprovada, não foi posta em prática, e as lacunas da regulação do setor aéreo aprofundaram, no segundo semestre de 2004, a situação de crise financeira da Varig. O SNA novamente apresentou um plano para reestruturação da empresa e cobrou do presidente da República a efetivação das medidas já aprovadas pelo Conac.

O pacote apresentado ao governo federal buscava a isonomia tributária com as congêneres estrangeiras e a equiparação do preço do combustível aos níveis praticados no mercado norte-americano. Com a adoção das duas medidas, a Varig economizaria, anualmente, pelo menos US$ 127 milhões. Sugerimos, também, aporte de capital do BNDES de US$ 75 milhões para a renovação de toda frota da empresa, o que geraria uma economia anual de US$ 50 milhões em combustível e manutenção, além de um ganho de receita de US$ 60 milhões.

Resumindo, o resultado operacional (fim da concorrência predatória) somado aos ganhos com a redução do custo Brasil (tributos e combustível) e com a renovação da frota, propiciaria à Varig um saldo anual positivo de quase US$ 400 milhões. Com esse valor, a empresa conseguiria honrar as dívidas desde que seu perfil fosse alongado e o governo federal promovesse o encontro de contas sugerido pelo presidente do STF.

Esse ganho de causa obtido pela Varig, em dezembro de 2004, refere-se ao congelamento tarifário ocorrido na vigência do Plano Cruzado (R$ 3 bilhões). As projeções aqui realizadas, incluindo o encontro de contas (exceto Gol), são válidas para as principais empresas do setor.

O governo federal, mais uma vez, não fez o dever de casa completo e foi atropelado pela situação de insolvência da Vasp. A crise dessa empresa foi algo parecido com uma crônica de morte anunciada, pois não faltaram alertas dos trabalhadores e de especialistas. Não temos dúvida de que a TAM e até mesmo a Gol podem ser as próximas vítimas, caso as resoluções do Conac não sejam colocadas em prática.

Não queremos ser profetas do caos mas, ao contrário, apontar caminhos para o saneamento das empresas aéreas e o fortalecimento da aviação comercial brasileira, dentro da legislação vigente, permitindo a entrada de capital financeiro em condições mais atrativas e garantindo, assim, o pagamento de todos os créditos pertencentes ao governo e aos trabalhadores, com a lisura que o setor definitivamente necessita. As novas regras para a organização da aviação civil foram aprovadas há 18 meses. Cabe, agora, ao governo federal assegurar a aplicação imediata dessas resoluções que permitirão, em prazo muito breve, concorrência saudável, tarifas menores, mais empregos e massificação do transporte aéreo brasileiro.

*Presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas