Título: Chirac apela para a emoção
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/05/2005, Internacional, p. A8

Presidente faz discurso decisivo, pedindo que franceses não rejeitem a Carta da UE

PARIS - Depois que duas novas pesquisas confirmaram que 55% dos franceses pretendem votar contra a ratificação da Constituição Européia, no referendo de domingo, o presidente da França, Jacques Chirac, foi à televisão ontem à noite, tentar convencer os 20% de eleitores indecisos a apoiar a Carta do bloco. Na mensagem transmitida ao vivo do Palácio Elysée, o político afirmou que um ''não'' francês provocaria ''um período de divisões e dúvidas na Europa, que poderia ver-se limitada unicamente a uma zona de livre comércio''.

- É ilusão acreditar que a Europa seria melhor com outro projeto. Porque não há plano alternativo à Constituição comum - disse.

O objetivo da nova Constituição é dar mais agilidade ao processo decisório na União Européia, que ganhou 10 novos membros no ano passado e agora reúne 25 países. A não-ratificação do Tratado Constitucional obrigaria o bloco a manter as regras criadas em 2000, consideradas inadequadas para o cenário pós-expansão.

Admitindo ainda que questões internas do país - como reformas sociais, educacionais e desemprego - estão influenciando a escolha dos eleitores, Chirac deu um tom mais emocional ao apelo:

- Vocês têm uma parte do destino da França nas mãos. Não se enganem com a pergunta, esqueçam os problemas com este governo. O referendo é sobre o futuro da França e da Europa, o ambiente que queremos para os nossos filhos. É uma responsabilidade histórica que compromete cada um de nós.

A eventual vitória do ''não'' no referendo pode arquivar a Constituição, prejudicar o papel da França no bloco, provocar uma crise de confiança na UE, retardar a integração continental e provocar turbulência financeira. Ontem o mercado já emitia sinal de preocupação: o euro teve uma ligeira

queda em relação ao dólar.

Todas as últimas 11 pesquisas divulgadas na França prevêem a rejeição à Carta. Mesmo assim, os partidários do ''não'' se mantêm firmes na campanha, cujas bases são as queixas à política econômica ''demasiadamente liberal'' do bloco e à entrada na muçulmana Turquia na comunidade.

- Não é a pesquisa que conta. É o voto. Apelo por um comparecimento em massa, para que haja um resultado significativo - pediu o ex-primeiro-ministro socialista Laurent Fabius.

E quanto mais significativa for a parcela do ''não'', maior a crise prevista para o governo. Analistas dão como certa a queda do premier, Jean-Pierre Raffarin, se houver derrota nas urnas. Chirac também sai ferido. Ele pode seguir o exemplo do chanceler alemão, Gerhard Schröder, que convocou eleições nacionais, antecipadas em um ano, após seu partido ser derrotado regionalmente.

Neste tenso ambiente político, intensificam-se as manobras de remodelação administrativa. Em um comício pelo ''sim'', na noite de quarta-feira, o adversário político de Chirac e líder do partido conservador governante, Nicolas Sarkozy, não hesitou em atacar o ministro do Interior, Dominique de Villepin, considerado o maior adversário de Sarkozy para o cargo de primeiro-ministro.

Enquanto isso, o líder do Partido Socialista (PS), François Hollande, criticava na edição de ontem do Le Monde o ''número 2'' do partido, Fabius.

Mas exatamente a recusa de Hollande de punir os membros do PS que fazem campanha pelo ''não'', contra o pronunciamento majoritário dos militantes, é citada como um dos erros do grupo do ''sim''. Segundo o jornal Libération, em três meses de campanha eles ficaram na defensiva, não souberam construir um ''sim entusiasta, positivo ou construtivo'', nem ''desligar'' o tema europeu do desejo de sanção ao governo, muito menos resistir às acusações contra um texto e uma Europa vistos como liberais.