Título: Desmatamento e política
Autor: Fernando César Mesquita
Fonte: Jornal do Brasil, 27/05/2000, Opinião, p. A11
É bom que se alerte o governo para a divulgação dos números da devastação
Em 1988, no governo Sarney, em decorrência das queimadas e desmatamento na Amazônia, acentuadas nas décadas de 70 e 80, resultado desastroso de orientações equivocadas do regime militar para a ocupação e o desenvolvimento daquela região, a questão ambiental era um contencioso tão grave para o país, em termos de imagem negativa mundial, como o foram os desrespeitos aos direitos humanos durante o regime de exceção.
Como tudo que envolve a Amazônia acaba se transformando numa infindável e inconclusa discussão, da teoria conspiratória da internacionalização à idéia fundamentalista da intocabilidade, credite-se à Nova República ter encarado a realidade e adotado as medidas certas para enfrentar o desafio de conter o aumento da destruição em curso. E o fez de maneira certa ao convocar uma equipe multidisciplinar de especialistas e acadêmicos de alto nível para estudar o estado geral dos recursos naturais e propor saídas para conciliar o desenvolvimento econômico com a preocupação ecológica. Foi aí que surgiu o Programa Nossa Natureza, o mais completo diagnóstico do meio ambiente no Brasil, coordenado pelo general Bayma Dennys, chefe da Casa Militar da Presidência da República.
Na época, os partidários do PT adotaram em relação àquele trabalho a velha postura do não vi e não gostei.
E registre-se que, em l988, a devastação tinha sido de 17.770 km2, número muito inferior aos 26 mil km2 registrados agora e que só tendem a crescer, se mantida a desorientação que é a marca da atual direção do Ministério do Meio Ambiente.
A repercussão internacional do desmatamento na Amazônia era tão séria que todos os financiamentos de bancos oficiais internacionais para o Brasil - BID, Bird, Eximbank, Comunidade Econômica Européia - estavam suspensos para qualquer tipo de projeto econômico. A propósito, é bom que se alerte o governo para a possibilidade de a divulgação dos números atuais da devastação agravar a paranóia planetária sobre a Amazônia e seus mitos, provocando novamente retaliações econômicas danosas ao estágio do crescimento econômico brasileiro.
Convidado para dirigir o Programa Nossa Natureza, após consultas a técnicos experimentados de vários setores, sugeri ao presidente Sarney a idéia de um único ente público para gerir as políticas oficiais relacionadas com a produção dos recursos naturais renováveis e o seu adequado uso, dentro da linha do desenvolvimento sustentável, proposta na ECO 72, em Estocolmo.
Foi então criado o Ibama, com a extinção do IBDF, da Sema, da Sudhevea e da Sudepe, agências que, com exceção da Sema, haviam fracassado no cumprimento de suas finalidades, em meio a conflitos de competência legal, de interesses, corrupção e má gestão administrativa. O presidente Sarney chegou a ser aconselhado a criar o Ministério do Meio Ambiente, mas não o fez para não inchar mais ainda a estrutura burocrática.
Nessa linha de ação, seguindo as recomendações do Nossa Natureza, Sarney assinou vários decretos importantes, encaminhou projetos de leis ao Congresso e os regulamentou, num curto espaço de tempo, depois de transformados em lei.
Um dos decretos mais relevantes para a defesa da floresta amazônica suspendeu a aplicação de recursos decorrentes de financiamentos governamentais em projetos que implicassem desmatamento. É que o regime militar havia estimulado a agropecuária em terras inadequadas para o plantio até de pasto, com milhares de hectares de floresta queimadas em fogueiras detectadas pelos satélites.
Nomeado primeiro presidente do Ibama, recebi carta branca do presidente Sarney para agir prioritariamente dentro dos objetivos propostos de reduzir as queimadas e os desmatamentos na Amazônia e cumprir as orientações do programa Nossa Natureza.
Com o apoio de uma equipe de técnicos de alto nível, entre os quais se destacava José Carlos Carvalho - depois ministro do Meio Ambiente no governo Fernando Henrique Cardoso e atual secretário de Meio Ambiente do governo de Minas -, Marília Marreco, Antônio Prado, entre outros, a direção do Ibama traçou um bem sucedido plano de trabalho que rapidamente começou a apresentar resultados positivos. Recursos financeiros foram conseguidos e o Ibama equipado para efetivamente funcionar. Convênios foram firmados com vários órgãos da administração federal e também dos estados.
Para alívio dos diplomatas brasileiros no exterior e do governo como um todo, ao ser concluído o levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) do período 1988/1989, o desmatamento que tinha sido de 17.770 km2 caiu para 13.730 km2 no período 89/90. E no período 90/91, ficou em apenas 11.030 km2. Isto se deu, repito, graças ao decidido apoio de Sarney, que dotou o Ibama de meios financeiros indispensáveis à execução de sua missão e deu total cobertura ao seu presidente, e prestigiou os esforços e a competência de dirigentes, técnicos e funcionários do órgão, visitando-o mais de uma vez.
Hoje, o Ibama é presidido por um renomado cientista, o professor Marcus Barros, tem alguns bons diretores, mas sem recursos para atuar como deve e boa parte de seu excelente quadro de técnicos foi substituído por pessoas inexperientes e sem qualificação. Foi aparelhado politicamente. Ao contrário do que aconteceu no seu início, quando o recrutamento de seu pessoal não via vínculos partidários, obedecia tão somente a critérios de eficiência funcional. E ainda por cima o Ministério do Meio Ambiente, hoje controlado pelas ONGs, mantém estranhamente uma sistemática política de esvaziar o Ibama. Retirou o controle da pesca e agora quer criar um ''novo IBDF'' para privatizar as florestas. Infelizmente, o resultado são 26 mil km2 devastados no período 2004/2005. Por enquanto, se não conseguirem convencer o INPE a mudar definitivamente os parâmetros de avaliação do desmatamento.