Título: Horta do Bolsa-Família vai de mal a pior
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 25/10/2004, País, p. A3
Briga política entre Frei Betto e secretária-executiva do programa, Ana Fonseca, ameaça principal projeto social do governo
As recentes denúncias de inclusão irregular de pessoas, especialmente famílias ligadas a prefeitos e secretários, e uso eleitoral do programa de transferência de renda federal Bolsa-Família, levantaram a cortina de fumaça que encobria uma crise na área social do governo Luiz Inácio Lula da Silva desde o início do atual mandato. Segundo fontes ligadas ao Palácio do Planalto, uma disputa ideológica no setor estaria comprometendo o andamento dos trabalhos no Ministério do Desenvolvimento Social a ponto de colocar em xeque o cargo do ministro Patrus Ananias. Não por acaso o ministro é recorrentemente lembrado como um dos nomes a ser rifado numa eventual reforma ministerial de Lula no fim do ano.
No ministério, haveria uma visão distinta de política social entre dois grupos. Na contenda da área social, de um lado estaria a secretária-executiva do ministério, Ana Fonseca, e do outro o assessor especial da Presidência da República, Frei Betto. Ana defenderia a gestão e a fiscalização dos cadastros do Bolsa-Família pelas prefeituras em todo o país, ao passo que Betto advoga um controle mais efetivo por meio de conselhos formados por representantes da sociedade civil. Com isso, seria evitada a distribuição indiscriminada de cartões magnéticos e a possibilidade de manipulação política para uso eleitoral do programa. No meio do tiroteio, está o ministro Patrus Ananias, que herdou a disputa do antecessor, o ministro de Segurança Alimentar, José Graziano.
- Prefiro não comentar o assunto. Entendo que essa discussão deve ser travada dentro do governo - disse Ana Fonseca ao JB, por intermédio de sua assessoria, sem negar, no entanto, a querela na área.
Procurada, a assessoria de Frei Betto informou que ele estava em viagem oficial à Itália. A discussão se arrasta desde o início do governo Lula. De acordo com um conselheiro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ligado à Presidência da República, inicialmente o programa Fome Zero, além da transferência de renda pelo cartão-alimentação, previa políticas classificadas de ''estruturais'', como o abastecimento agroalimentar e o banco de alimentos, e contrapartidas de comparecimento escolar. A implementação do programa também estava condicionada à existência de um conselho composto por representantes da sociedade. Quando o Cartão-Alimentação deu lugar ao Bolsa Família, os conselhos ''estranhamente'' perderam força, revelou o conselheiro do Consea no Rio de Janeiro, pedindo para não ser identificado.
- Os comitês eram eleitos por integrantes da sociedade civil. Num primeiro momento, essas pessoas fiscalizavam e acompanhavam a distribuição dos cadastros - acrescentou o conselheiro.
Naquele momento, ascendia no ministério a ala defensora do controle social pelas prefeituras. As recentes denúncias de irregularidades colocaram o presidente Lula novamente no divã para repensar os rumos da área social. Esta semana, o programa Bolsa-Família completou um ano do seu lançamento, quebrando um recorde. Em apenas três dias, 468 denúncias de fraudes chegaram ao telefone gratuito do Ministério do Desenvolvimento Social, quando a média diária até a semana passada era de apenas três por dia. Pessoas morando em casas de alvenaria, com carro na garagem, receberiam repasses de R$ 50 a R$ 95 por mês, enquanto outros moradores pobres não eram beneficiados.
Exortado por Lula, Patrus Ananias anunciou, na última quarta-feira, uma parceria com o Ministério Público para fiscalizar as exigências legais do programa, como, por exemplo, a freqüência escolar obrigatória.
- Vamos às últimas conseqüências, dentro da legalidade, para que essas pessoas sejam punidas dentro das normas penais e administrativas - afirmou.
Em nota oficial, o Ministério do Desenvolvimento Social ainda anunciou a suspensão, até que as investigações sejam concluídas, de todos os benefícios do programa Bolsa-Família com suspeitas de fraude nos municípios de Cáceres (MT), Pedreira (MA) e Piraquara (PR). Com a atitude, o ministro ganhou sobrevida, mas o desgaste permanece, garantiu um deputado do PT ligado à Casa Civil. A interlocutores, o presidente reclama de uma atitude mais enérgica de Patrus para conter a cizânia na pasta e colocar um ponto final na crise do setor.