Título: Além do Fato: Lei de Biossegurança é constitucional
Autor: Antonio José L.C. Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 09/07/2005, Economia & Negócios, p. A20

O Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra alguns artigos da Nova Lei de Biossegurança (11.105/05). Ele repete, em síntese, os argumentos lançados pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace contra a lei 8.974/95 que, a exemplo da lei vigente, atribuiu à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) competência para fazer uma análise prévia do potencial impacto ambiental dos organismos geneticamente modificados (OGMs), para fins de remetê-los ou não ao licenciamento ambiental por parte do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O argumento básico da Adin é o de que essa competência atribuída à CTNBio fere a Constituição ao limitar a competência dos estados e municípios para proteger o ambiente e confronta o artigo que determina ao poder público exigir estudo de impacto ambiental para a instalação de atividade potencialmente degradadora.

A lei 11.105/05 expressamente incumbe ¿ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e os registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGMs e seus derivados¿ (artigo 16, §1º, inciso III). Com isto, atende ao artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal, que prevê a competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e municípios para zelar pelo meio ambiente.

Na verdade, nem de longe a nova lei está subtraindo as atribuições do MMA, do Ibama, ou das agências estaduais de licenciamento e fiscalização ambiental. A lei simplesmente confere à CTNBio o poder discricionário de identificar previamente as atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental e remeter somente estas para o devido licenciamento por parte do Ibama e dos órgãos estaduais de fiscalização componentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

A legislação ambiental, com efeito, não exige licenciamento de toda e qualquer atividade, mas somente daquelas que são potencialmente poluidoras ou ambientalmente impactantes (lei nº 6.938, artigo 9º, inciso IV). A legislação ambiental também não faculta aos estados e municípios licenciar todas as atividades em seus territórios. Um ou outro município no Brasil inteiro logrou se capacitar para licenciar atividades, atendendo aos requisitos previstos pela resolução Conama nº 237, artigo 6º. E os estados também não são chamados a licenciar quando se trata de atividades e obras de âmbito nacional ou regional, hipótese em que o licenciamento é de competência do órgão federal, o Ibama (artigo 10, § 4º da lei nº 6.938/81). Nunca se alegou que essa competência do Ibama é inconstitucional, por alijar os estados e os municípios da tarefa licenciatória.

E esse poder discricionário conferido à CTNBio está em perfeita consonância com a Constituição em seu artigo 225, § 1º, inciso IV, que diz incumbir ao ¿poder público exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental¿. Por que a CTNBio não pode ser o ¿poder público¿ ao qual se refere a Constituição? Por que a lei ordinária não pode atribuir à CTNBio a tarefa de distinguir quais atividades são potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental e que devem se submeter ao licenciamento e, eventualmente, ao estudo prévio de impacto?

Basta ver na lei nº 11.105/05 sua especificidade, que confere tratamento especial à biotecnologia e derroga uma ou outra norma ambiental de caráter geral, para se aceitar com serenidade a competência da análise prévia conferida à CTNBio.

De forma muito curiosa a Adin menciona, no final, a pretensa inobservância ao princípio democrático por parte da lei nº 11.105/05, e desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Ora, a lei nº 11.105/05 é uma lei ordinária, votada nos plenários da Câmara e do Senado que, em tese, expressam a vontade da nação em regime democrático pleno. É o procurador-geral, grosso modo, quem quer impor a sua visão pessoal e de uma minoria ruidosa ¿ se fosse maioria, a lei não teria sido aprovada ¿ com alto poder de fogo e que se acha no direito de invocar o Judiciário contra o Legislativo. O que sempre gera um clima de incerteza, no país das medidas provisórias e liminares judiciais.