Título: A duras penas
Autor: Paulo Celso Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 25/10/2004, Caderno B, p. B-1

Biblioteca Nacional libera verba para tradução de obras brasileiras no exterior, mas editoras e escritores põem em dúvida os processos de escolha e a eficácia do projeto Depois de anunciar, durante a Festa Literária Internacional de Paraty, a renovação do Programa de Apoio à Tradução, a Biblioteca Nacional (BN) já tem a lista de seus primeiros contemplados com o cheque de US$ 3 mil para o auxílio na versão de autores brasileiros para o inglês, espanhol e francês. O projeto fez com que reascendesse no mercado editorial a esperança da expansão da literatura brasileira no exterior, já que hoje sua aceitação no mercado mundial é mínima.

Na lista divulgada pela BN, sete editoras foram beneficiadas com a verba para tradução de 11 livros de diferentes autores. Com isso, apenas US$ 36 mil dos US$ 174 mil previstos para o programa em 2004 estão comprometidos. Como esclarece o cordenador-geral do Livro e da Leitura, Luciano Trigo, responsável pelo programa, a renovação foi importante:

- O programa já existia, mas achamos que ele era feito de forma aleatória. Então, fizemos um levantamento do que era importante na literatura brasileira e que ainda estava inédito em inglês, francês ou espanhol e publicamos três livros - um para cada língua - apenas com o primeiro capítulo dessas obras, para avaliação de editores. Tentamos dosar autores consagrados com autores novos, que terão prioridade para a tradução. Mas essa nossa lista não limita os textos que podem participar do programa. Editoras podem apresentar um projeto de tradução de qualquer livro e ele será avaliado pelo Conselho de Literatura da Biblioteca Nacional.

A lista dos autores que entraram nos tais três livros gerou protestos entre editores e escritores, principalmente dos que não foram incluídos na seleção. Para Lúcia Riff, uma das principais agentes literárias brasileiras, é necessário repensar essa forma de escolha. Responsável pelas obras de Lya Luft Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura, a dona da agência BMSR acredita que o momento é de apoiar a Biblioteca na melhora do programa, que ainda teria regras mal definidas:

- Acho que a lista deve servir de ponta de lança para estimular a leitura de autores brasileiros em geral e não apenas aqueles selecionados. É necessário que o apoio independa do idioma para o qual será traduzido. Mas isso é uma questão delicada porque o dinheiro não é infinito. Lá fora, ainda não há uma confiança na durabilidade do programa. É importante que seja um trabalho independente do governo vigente. Existe uma falta de compreensão de quais são as regras.

A preocupação de Lúcia, compartilhada por outros profissionais do mercado, é pertinente. Mas essa primeira leva de obras que ganharão verba para traduções já abriga autores que não haviam entrado nos livrinhos de degustação da biblioteca e que foram aprovados pela Comissão. Entre eles estão Chico Buarque, Ruy Castro e Betty Mindlin. Para Marie Métailié, dona da editora francesa Editions Métailié, que há 25 anos publica autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, o mais importante é que o projeto se estenda a longo prazo.

- A tradução na França custa US$ 7 mil, então o apoio não cobre os custos. Mas o fundamental é que o Ministério da Cultura se interesse em incentivar o livro globalmente. Ajudar a difusão no exterior é importante, mas espero que isso não seja um programa de apenas um ano. Se não for um programa a longo prazo, com continuidade, não serve pra nada - opina a editora, que receberá ajuda na tradução de Bernardo Carvalho e Luiz Rufato.

Trabalhando há 22 anos na Europa como agente literária especializada em autores de língua portuguesa, como Antônio Callado, Sérgio Sant'anna, Marçal Aquino e Tabajara Ruas, a alemã Ray-Güde Mertin é ainda mais cética.

- A Biblioteca Nacional deve saber que o programa de apoio à edição que Portugal tem é exemplar. É importante que a biblioteca siga a fórmula portuguesa, pois há países nos quais a literatura brasileira não tem a visibilidade que poderia. O mercado está muito acelerado, sobretudo na Inglaterra e nos EUA, com os livros tendo uma vida útil de 3 meses - explicou Ray-Gude durante a Flip, para em seguida desabafar:

- Trabalhar com autores brasileiros esses anos tem exigido altas doses de paciência e persistência.

O premiado escritor Carlos Heitor Cony não acredita em grandes mudanças. Assumindo-se como radical nessa questão, Cony acha o programa apenas uma medida simpática, mas inútil a nível mundial.

- O Brasil ainda não aconteceu culturalmente em nível mundial. E a literatura ainda não se tornou uma atração como são a música popular, o futebol e o automobilismo. O Brasil não precisou de gastar um tostão para divulgar a música popular nem o futebol. Culturalmente, ainda pertencemos a um escalão medíocre. O movimento deveria ser contrário, não de dentro pra fora, mas de fora pra dentro. Há muita gente traduzida, mas são edições localizadas em ilhas de interesse universitário. Para que haja interesse do mercado em nossa literatura é necessário haver outros elementos culturais, que não existem. Isso não é um julgamento de valor, é um julgamento concreto.

Já para Eduardo Portella, ex-ministro da Educação e Cultura e ex-presidente da Biblioteca Nacional durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o problema central não seria apenas a tradução, mas a difusão.

- Como a língua portuguesa é de trânsito limitado, as políticas de tradução são importantíssimas. Mas elas não são exatamente nenhuma novidade. O Itamaraty e a Academia Brasileira de Letras já tiveram projetos assim e a Biblioteca Nacional sempre teve esse atual programa. Não tenho acompanhado a atual gestão, mas o importante é que a editora escolhida no exterior seja muito profissional, para ser capaz de colocar realmente o livro no circuito comercial.

O presidente da Academia Brasileira de Letras, Ivan Junqueira, que traduziu a obra completa de Charles Baudelaire e T.S. Eliot, explica o quão preocupante é a questão da difusão da língua portuguesa:

- O que é escrito em português morre, ninguém lê. Hoje o universo de usuários da língua portuguesa soma 220 milhões de pessoas, dos quais 175 milhões estão no nosso país. A língua portuguesa não é lida em nenhum local exceto Brasil, Portugal e suas ex-colônias. Nossa língua é um gueto, não é falada nem lida no mundo, onde se lê apenas inglês espanhol e árabe. Por isso o programa é tão importante.

No inesgotável debate só há um consenso: o programa de Portugal de apoio à edição deve ser o modelo para os ajustes a serem feitos. A eficiência daquele programa fica clara quando se observa a quantidade de livros de Portugal sendo publicados atualmente no Brasil. Para o editor da Coleção Tanto Mar, da editora Planeta, dedicadas aos livros da terrinha, o que eles têm feito é uma valorização da cultura como um todo.

- Eles cobrem uma parcela variável da edição, que paga cerca de 80% do valor total. Mas há no Instituto Português do Livro e das Bibliotecas uma preocupação na divulgação do autor, tanto é que eles vieram para a Bienal bancados pelo instituto. Eles têm essa consciência da penetração da cultura. O livro estrangeiro é muito caro de ser produzido aqui e muitas vezes só conseguimos fazê-lo através de subsídio. Essa é uma questão mais ampla. É necessária uma mobilização para valorização da cultura.