Título: O dono da Rede
Autor: Marcela Canavarro
Fonte: Jornal do Brasil, 11/07/2005, Internet, p. A20

Em anúncio oficial, Estados Unidos dizem não abrir mão da governança da internet

Os Estados Unidos governam o mundo. Se a afirmação é factível, mas discutível, em termos econômico-financeiros, não deixa dúvidas em relação à rede global de computadores, a internet. A administração do Sistema de Nomes de Domínio (DNS) é questão tão importante para o país que o Departamento de Comércio americano avisou: não pretende abrir mão das atuais atribuições da Corporação da Internet para Nomes e Números (Icann), localizada no país.

O comunicado foi divulgado no fim de junho pela Administração Nacional de Telecomunicações e Informação (NTIA), órgão do Departamento de Comércio. Na declaração, o governo americano se compromete ''a não tomar qualquer atitude que poderia trazer impacto negativo às operações do DNS'' e enfatiza a necessidade de manter o sistema estável e seguro.

O DNS gerencia os endereços de todos os sites disponíveis na internet, convertendo em palavras a sequência de números que compõe cada endereço. Administrar este processo é a principal atribuição do Icann, entidade sem fins lucrativos criada na década de 90 através de um Memorando de Entendimento com o Departamento de Comércio americano. Também estão localizados nos Estados Unidos 10 dos 13 servidores principais da Rede.

A ligação com o governo dos Estados Unidos é o que mais incomoda os críticos da centralização da gestão da internet nas mãos do Icann. Desta insatisfação surgiram propostas alternativas, como a criação de um órgão internacional subordinado à Organização das Nações Unidas (ONU), a gestão pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) e a constituição de um fórum global intergovernamental.

Na nota, o governo americano comenta a posição destes países, entre eles o Brasil, mas minimiza a preocupação com a centralização da governança: ''os Estados Unidos reconhecem que os governos têm políticas públicas legítimas e preocupações soberanas sobre o gerenciamento de seus ccTLD (domínio de código do país). Assim, os Estados Unidos estão comprometidos em trabalhar com a comunidade internacional para solucionar essas questões, tendo em mente que a necessidade fundamental é assegurar a estabilidade e a segurança do DNS da internet''.

A questão da governança da Rede foi debatida no Rio de Janeiro, no mês passado, na Conferência Regional Preparatória para a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que acontece em novembro, na Tunísia. Na ocasião, o Brasil colocou-se firmemente contra a centralização no Icann e apoiou a criação de um fórum global.

- Não se trata de destruir as estruturas existentes, mas adaptá-las - afirmou na ocasião o secretário da Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, Marcelo Lopes, referindo-se a uma reestruturação do Icann com a criação de um órgão gestor multilateral. - Deve ser criado um fórum global de coordenação com base em tratado internacional filiado à ONU e estabelecido em princípios de multilateralidade, democracia, transparência e com multi-interesses.

O Memorando de Entendimento que liga oficialmente o Icann ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos encerra-se em outubro deste ano. Mas, na prática, a ligação com o governo deve continuar.

- Eu, como representante do Brasil, tenho conversas e posições do Brasil. Essa ligação com países sempre vai existir - afirma uma das diretoras do Icann, a brasileira Vanda Scartezini.

Para ela, a aproximação da corporação com o governo americano se deu de forma natural e a governança da internet perderia se fosse transferida para outro órgão.

- Quando uma comunidade sentou na ONU para discutir o que o seu governo estava fazendo? Já a UIT está perdendo espaço por conta da convergência de tecnologias e não quer perder poder de barganha.

Para ela, o Memorando de Entendimento do Icann assegura o cumprimento de planejamentos técnicos e a estabilidade financeira do órgão.

- As atribuições do Icann estão sendo cumpridas e bem levadas. Não concordo que a estrutura dê brecha para um desvio de conduta americana. Os Estados Unidos atuam com base em interesses econômicos e crescimento da internet, além da participação do maior número de pessoas.