Título: ''Cuidar da nossa infância exige dinheiro''
Autor: Lorenna Rodrigues
Fonte: Jornal do Brasil, 11/07/2005, Brasília, p. D3

A promotora-chefe da Promotoria da Infância e Juventude, Selma Sauerbronn presenciou dois terço de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 15 anos na próxima quarta-feira. Ela não comemora. ¿Não adianta falar que a prostituição é um absurdo, que criança trabalhar é terrível, mas não fazer nada. Cuidar da nossa infância exige dinheiro. É preciso priorizar medidas em prol de crianças e adolescentes no orçamento público¿. Nesta entrevista ao JB, a promotora faz um balanço da questão da infância e da juventude no DF. Fala do que mudou desde a criação do ECA, aponta os principais problemas e de iniciativas que deram certo no cuidado de crianças e adolescentes.

- O que mudou nesses 15 anos de ECA?

- Ao longo desse período a sociedade passou a ter mais consciência em relação às questões da infância e da juventude, questões como a prostituição infantil, os maus tratos, trabalho infantil. Hoje, há o reconhecimento de que se não houver o investimento na educação de nossas crianças. Houve esse avanço mas em termos de efetivação da lei caminhamos muito pouco. Estamos ainda no campo do projeto, discutindo sobre o ECA, mas falta priorizar criança e adolescente no orçamento público. Não adianta a sociedade se sensibilizar, dizer que é um absurdo o turismo sexual, o trabalho infantil, se não houver a priorização dessa questão dentro do orçamento. Para trabalhar qualquer projeto na área da infância é necessário dinheiro. E não se percebe nem aqui no Distrito Federal nem tampouco no governo federal uma prioridade absoluta dessa questão. A fase de se discutir estatuto já passou, é mais do que hora de se colocar a lei em prática, na sua plenitude.

- Quais são os pontos mais críticos em relação ao cumprimento do ECA no DF?

- A rede de atendimento do DF em relação à infância precisa ser aprimorada. Talvez um dos problemas mais sérios que nós temos aqui seja a falta de conversa entre os dirigentes das secretarias. O estatuto apontou para a gente um atendimento multidiciplinar, que engloba educação, saúde, profissionalização, lazer, independente da situação dele. Esteja o adolescente em situação de risco ou não. No caso do adolescente em conflito com a lei, por exemplo, toda a responsabilidade está sendo entregue à Secretaria de Ação Social, e isso não é problema só dessa secretaria. É necessário que as outras políticas também assumam essa responsabilidade. A questão da primeira infância, por exemplo, é extremamente crítica no DF. O investimento é pequeno. Uma mãe hoje que precisa trabalhar e tem filhos pequenos deixa essas crianças jogadas porque não existe atendimento para elas. Outro ponto negativo é a escolarização, principalmente no ensino fundamental. Para se ter uma idéia da precariedade, existe uma escola em São Sebastião funcionando em um galpão. Quando nos deparamos com adolescentes em conflito com a lei, geralmente eles estão em situação de evasão escolar há muito tempo até por ter tido um modelo de escola que não foi atrativo.

- Existe algum projeto que se destaca no DF rumo ao cumprimento do ECA?

- Um grande avanço no DF é a unidade Cesame (Centro Sócio Amigoriano), de internação provisória, na qual se pratica a pedagogia da presença. As instalações não são adequadas, mas a pedagogia trabalhada busca atender o adolescente em todas as vertentes previstas pelo estatuto, na saúde, religião, escola, lazer. É um modelo a ser seguido pelos novos centros de internação que serão criados, até porque a proposta é trabalhar com grupos menores de adolescentes, como prevê o estatuto.