Título: Troca de dados gera polêmica
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Fonte: Jornal do Brasil, 12/07/2005, Internacional, p. A7
Amanhã, comissários de Justiça da União Européia e ministros do Interior dos 25 países-membros vão se reunir em Bruxelas para discutir a polêmica proposta do secretário do Interior da Grã-Bretanha, Charles Clarke, de que empresas de telecomunicação e internet mantenham registros de ligações telefônicas e tráfego de e-mail. A medida teria o intuito de facilitar o trabalho da polícia ao investigar a autoria de ações terroristas, como os ataques a bomba em Londres, na quinta-feira, e em Madri, em 11 de março do ano passado.
- Devemos garantir o total rastreamento do movimento dos terroristas - defendeu o comissário de segurança da UE, Franco Frattini.
De acordo com o plano de 10 pontos que Clarke vai apresentar aos colegas em Bruxelas, as companhias teriam que manter registro de todas as conversas telefônicas, mensagens de texto enviadas por celular e e-mails, para que pudessem ser passadas para a polícia, se necessário. O plano original fala em retenção de um a três anos, mas Frattini acredita que este tempo será mais curto.
- Deve ser, por exemplo, de seis meses para dados na internet e de um ano para chamadas de telefone - avalia.
As agências de segurança poderiam ver quem mandou ou recebeu estas comunicações, mas o conteúdo das mensagens não seria armazenado.
- Não vamos vasculhar conteúdo, só ter um banco de dados. É importante saber quantas ligações são feitas e por quem. Mas claro que está é uma questão de acordo internacional - justifica Clarke.
Acordo que já tem vários críticos. O eurodeputado britânico Claude Moraes, membro do comitê de liberdades civis do Parlamento Europeu, dá motivos financeiros para não concordar com a proposta da Grã-Bretanha.
- Estamos falando sobre milhões e milhões de e-mails, chamadas telefônicas e torpedos. O custo de manter estes registros é alto demais, será devastador para pequenos e médios provedores de internet e operadores de telefonia - explica.
Uma porta-voz da Casa Civil em Londres disse que a Grã-Bretanha já conta com um código voluntário de prática, no qual as firmas de comunicação mantêm registros de detalhes sobre as ligações telefônicas, envio de e-mails e mensagens de texto. Sem, entretanto, salvar o conteúdo. O que Clarke quer é que toda a UE adote medidas similares. O governo acredita que vá conseguir a aprovação, devido ao momento delicado, que inspira solidariedade política.
Mas há oposição de outros países-membros, temerosos de que esta prática acabe por erodir o direito à privacidade. No mês passado, o Parlamento Europeu rejeitou um projeto de lei neste sentido, apresentado pela França, Irlanda, Suécia e Reino Unido, que assumiu a presidência da UE em 1º de julho. Para os eurodeputados, as propostas eram ilegais.
''Há dúvidas consideráveis sobre a escolha das bases legais e a proporcionalidade destas medidas. Também é possível que a proposta transgrida o artigo 8 da Convenção Européia dos Direitos Humanos'', escreveu o comitê de Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos da UE.
O comitê critica ainda a proposição britânica pela dificuldade em analisar as informações:
''Dado o volume de dados reunidos, particularmente os da internet, é improvável que uma análise apropriada de todas as informações seja possível. Além disso, indivíduos envolvidos em organização de crimes e de terrorismo podem facilmente encontrar uma maneira de evitar que seus dados sejam data rastreados''.
De acordo com o comitê, os provedores de internet e operadoras de telefonia gastariam 175 milhões de euros só para montar a rede de registro e outros milhões de euros por ano para mantê-la.
Mas para Frattini, vale a pena.
- Seria um padrão europeu, porque muitos Estados-membros não têm regras de retenção de dados ou não há qualquer possibilidade de registro. O que é uma grande vantagem para os terroristas - adverte o comissário da UE.
Caso a Comissão Européia aprove a proposta britânica, a lei pode demorar até três anos para entrar em vigor, porque terá sido adotada a despeito do Parlamento.
Além do intercâmbio de dados de comunicação, a Grã-Bretanha quer também a troca de informação pré-julgamento que possa ajudar a construir acusações contra criminosos e suspeitos de terrorismo.