Título: Al Qaeda reabre base na Somália
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Fonte: Jornal do Brasil, 12/07/2005, Internacional, p. A8

Quase 15 anos depois da passagem de Osama bin Laden pela Somália, o país africano volta às manchetes pelo mesmo motivo: a rede Al Qaeda, aproveitando-se do fato de o Estado somali continuar a ser uma ficção política, ressurgiu com força em Mogadiscio. A nova geração de guerreiros, comandada por um chefe treinado no Afeganistão, já atua. No domingo, matou a tiros um líder pacifista local diante da família. Abdulkadir Yahya Ali, dirigia o respeitado Centre for Research and Dialogue e é o nome mais proeminente de uma lista que inclui vários trabalhadores de agências humanitárias.

Estudo do International Crisis Group (ICG) revela que a célula ainda é pequena, mas não terá dificuldades em recrutar militantes em meio à anarquia absoluta que impera no Chifre da África. Segundo o ICG, a célula impede a restauração de um governo legítimo e funcional. Serviços secretos ocidentais há muito olham com preocupação para a Somália, considerado um ''paraíso'' para terroristas desde que senhores tribais derrubaram o ditador Mohamed Sia Barre, em 1991.

A célula somali se envolveu em atentados como os dois feitos no Quênia, em 1998 (224 mortos) e contra um hotel em 2002 (15 mortos). Enquanto exportam o terror, os guerrilheiros impedem a consolidação do Estado. Hoje, está em curso a 14ª tentativa, embora o governo continue dividido por divergências tribais e opere a partir de Nairobi, já que Mogadiscio é considerada a cidade mais perigosa em todo o mundo na atualidade. Para o ICG, se mais essa tentativa fracassar, o caminho para o recrutamento estará aberto e mais uma ação espetacular contra interesses estrangeiros na África será questão de tempo.

Embora perigoso, o grupo de ''jihadistas'' ainda é minoria dentro dos islâmicos somalis. Para o ICG, a causa dos extremistas é impopular e o contingente ''se contaria em dezenas apenas'' para um total de milicianos calculado em 53 mil. As lideranças não passariam de 10. ''Muitos países ocidentais seguramente têm redes mais sofisticadas'', diz o relatório.

O novo presidente Abdullahi Yusuf pediu que as Nações Unidas enviem outra força ao país para ajudá-lo, mas o ICG crê que isso daria exatamente a causa que a Al Qaeda precisa para se espalhar pelos países vizinhos.

- Os jihadistas estão rezando para que os etíopes venham. Podem facilmente transformar isso aqui num novo Iraque - afirma um muçulmano somali moderado, com base na rejeição, pela maioria islâmica entre os 10 milhões de habitantes do país, à grande influência regional de Adis Abeba, dominada por cristãos.

Os analistas acreditam que a Al Qaeda domina um dos três grupos mais radicais no país e reúne a partir de remanescentes do antigo Itihaad al Islaami, organização de caráter nacional apontada como muito perigosa por Washington. Muitos dos que lutaram contra os aliados no Afeganistão, em 2003, foram preparados pelo Itihaad.

A célula tornou-se operacional em 2003, quando seu líder, Aden Hashi Ayro, voltou do Afeganistão. De lá para cá, as mortes de quatro trabalhadores humanitários e de dez autoridades policiais e militares do contra-terrorismo no país - sem contar a de domingo - foram atribuída à rede. Também leva a assinatura da Al Qaeda a profanação, recente, de um cemitério italiano.

As ações da célula chamaram a atenção dos Estados Unidos, que redobraram os vôos de vigilância sobre a Somália e a cooperação com grupos confiáveis locais, incluindo agentes da Inteligência etíope. As equipes, de acordo com o ICG, estão engajadas em uma campanha feroz que inclui seqüestros e assassinatos.

Em março, analistas da ONU descobriram que os jihadistas da Al Qaeda receberam carregamento de armas que incluia fuzis, munição, minas, explosivos, granadas, armas anti-tanque e até artilharia antiaérea. Além disso, pelo menos 17 locais foram identificados como campos de treinamento para os novos recrutas.

Abdulkadir Yahya Ali foi baleado por desconhecidos dentro de casa e sua execução foi lamentada pelo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, em função da importância e do conhecimento que tinha das divisões na Somália. Os atacantes, dez homens, pularam o muro e renderam os seguranças. Depois, tomaram seu laptop e o atingiram na cabeça diante da mulher. O Centre for Research and Dialogue, que Yahya dirigia, era uma das ONGs mais eficientes no país e muito respeitada no exterior.