Título: Da garagem ao Plaza Athenée
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/07/2005, Economia & Negócios, p. A17
O que é a Daslu? Atualmente, parece uma Disneylândia do consumo, isolada do mundo por muros altos. Virou polêmica, afronta, ostentação absurda, aquele templo da elegância transferido para uma região um tanto erma, próxima de uma das marginais de São Paulo. Difícil acreditar que no começo, no fim da década de 50, era um negócio dirigido por duas senhoras, Lucia Piva de Albuquerque e Lourdes Aranha, que tinham o mesmo apelido: Lu. Seguindo o jeito paulistano de falar, a garagem da casa de uma delas ficou conhecida como Daslu, ou seja, das Lus.
Havia uma estratégia especial de venda - como não havia cabines de prova, as clientes tiravam a roupa no meio do espaço, que logo evoluiu para a casa inteira. Para organizar, alguém tinha que recolher as pilhas de roupas não aprovadas, jogadas pelo chão ou nas poltronas. Surgiu o batalhão das aventaizinhos, garotas de vestido preto e avental branco, que davam um jeito na bagunça. Havia também as copeirinhas, que serviam café. As consumidoras eram amigas, todas se conheciam e adoravam comprar naquela casa, em que cada ambiente tinha roupas de uma cor. Uma sala era só para peças vermelhas, outra, para as verdes, tanto fazia ser vestido de festa como biquíni, com respectivos acessórios colocados embaixo, em prateleiras.
As Lus cansaram, passaram o cargo para a filha de uma delas, Eliana Tranchesi, em 1984. Eliana começou a aumentar o estoque da loja, abrindo as prateleiras para a moda infantil, tentando desenvolver uma linha masculina. Até que o plano Collor esvaziou os bolsos e contas do país, em março de 1990. Segundo a própria Eliana, neste dia ninguém entrou na casa das roupas coloridas.
- Reuni a equipe, fui para a frente da casa e anunciei: ainda vou ter uma butique Chanel aqui em frente - dizia.
Deste dia em diante, as marcas estrangeiras começaram a ser visitadas e selecionadas. Na Europa, o Brasil ainda era visto como um país desorganizado no setor de moda, a importação era quase inexistente e as cópias impressionavam até os próprios autores. O japonês Kenzo Takada era dos mais imitados, havia lojas com seu nome em plena Rua Barata Ribeiro.
Mas vários estilistas apostaram na loja de São Paulo, cujo nome nem sabiam pronunciar. Representantes de Chanel e Valentino perguntavam a nós, jornalistas que às vezes iam assistir aos desfiles parisienses, quem era esta tal ''Dáslu'', com acento no A. Em poucos meses, talvez um ano, os mesmos desconfiados investigadores corriam para encaminhar Eliana e Donata Bordon para as primeiras filas de seus desfiles. E depois vinham com mais perguntas: como era possível vender mais bolsas em São Paulo do que no Japão, eterno point do consumo de marcas de luxo?
Havia alguns segredos, típicos do tempo em que tinha as amigas como principais clientes. O caderninho era o mais decisivo: a consumidora viajava, via as vitrines e vinha comprar aqui no Brasil, podendo pagar em muitas parcelas, quase como uma conta corrente dos antigos armazéns.
O movimento incomodou a vizinhança no bairro residencial de Cerqueira César e, depois de muitas campanhas, a loja - então um aglomerado de casas, com todo tipo de marca nacional e internacional - mudou de lugar e cresceu para o templo de consumo atual. Ao mesmo tempo em que escolhe as peças nos show-rooms internacionais, Eliana cria coleções para a marca própria, que é o lote que mais vende na casa. A etiqueta Daslu atrai visitantes também para o show-room que monta duas vezes por ano, no hotel Plaza Athenée, em Paris.
Na primeira vez, era uma suíte; em cinco anos, ocupa um andar do hotel. Os compradores gostam da maneira como as roupas são montadas, os looks da coleção, e adoram os chocolatinhos da Patty Piva, irmã de Eliana. Uma espécie de Midas feminina? Pode ser, porque até a revista, a princípio editada para ser um catálogo, ''bem que dá uns trocados'', costuma comentar Eliana.
E agora? Tanto quanto o tamanho da loja, a denúncia é uma surpresa. Difícil até de acreditar que a loura sorridente que circula em Paris de casaco de pele e legging preto, e começa o dia rezando com a equipe, tenha deixado passar alguma falcatrua. Deve haver algum caderninho que esclareça tudo.