Título: Sonho macabro
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr.*
Fonte: Jornal do Brasil, 15/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

Sonho das elites brasileiras: eleger um tucano para a Presidência da República em 2006. Sonho dourado: trazer Fernando Henrique Cardoso de volta. Os outros tucanos seriam bem-vindos, mas apresentam alguns problemas. Os governadores Aécio Neves e Geraldo Alckmin não convencem e têm pouca presença fora dos seus Estados. José Serra mostra desempenho razoável nas pesquisas de intenção de voto, mas não parece totalmente confiável. Foi adversário de Pedro Malan durante o governo FHC e reiterou as críticas ao modelo econômico na campanha presidencial de 2002. Em matéria de política econômica, talvez tivesse sido menos continuísta do que Lula.

O presidente Lula bem que se esforça para se mostrar, digamos, responsável e ordeiro. Manteve basicamente intacta a orientação macroeconômica e financeira. Desde 2003, a Fazenda e o Banco Central operam em sintonia perfeita com a Febraban e Wall Street. Apesar disso, Lula está descobrindo a amarga realidade: um ex-metalúrgico nunca será aceito como membro permanente do clube.

FHC é outra história. Sociólogo ''globalizado'', compartilha com as elites brasileiras o seguinte segredo: um horror profundo e sincero ao Brasil e a tudo que é brasileiro. Com ele, o Brasil voltaria a ter um presidente ''bem preparado'' e de ''nível internacional''.

Bem. Esse sonho sofreu um duro golpe nesta semana. A pesquisa CNT/Sensus divulgada na terça-feira mostrou que o presidente da República continua bastante bem avaliado, apesar da grave crise política (os resultados da pesquisa podem ser encontrados no site da Confederação Nacional do Transporte, www.cnt.org.br). Lula ainda é o favorito para 2006: derrota todos os adversários, exceto Serra, já no primeiro turno. Tem o menor índice de rejeição entre os presidenciáveis. Fernando Henrique é o mais rejeitado: quase 60% dos entrevistados responderam que não votariam no ex-presidente (ver Maurício Thuswohl, ''Aprovação de Lula cresce. FHC tem a maior rejeição entre presidenciáveis'', Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br, 12 de julho de 2005).

Aparentemente, o povo não quer colaborar para a realização do sonho dourado. Insiste, por enquanto, em preferir o ex-metalúrgico. Ora, pensando bem, o fraco desempenho dos presidenciáveis tucanos e a rejeição a FHC não chegam a ser grandes surpresas. Afinal, o sociólogo tucano já teve duas chances. E os resultados foram pífios, convenhamos. A economia cresceu pouco. O desemprego aumentou. Boa parte das empresas nacionais experimentou grandes dificuldades e muitas sucumbiram. A economia se desnacionalizou. As crises de balanço de pagamentos se sucederam. A dívida pública aumentou substancialmente. A carga tributária também. O único sucesso no campo econômico foi a vitória contra a inflação.

A bem da verdade, deve-se ressalvar que o sociólogo enfrentou, em geral, condições internacionais mais difíceis do que as que prevaleceram desde a posse de Lula. Isso ajuda a explicar, aliás, por que o atual governo consegue, com as mesmas políticas macroeconômicas, resultados um pouco melhores.

O governo Lula ficou abaixo do que os seus eleitores esperavam - até por não ter tido a coragem ou a capacidade de inovar na área econômico-financeira. Para chegar ao poder e viabilizar a continuação da agenda econômica anterior parece ter mergulhado fundo nos métodos corruptos típicos da política brasileira.

Se surgir uma alternativa convincente, os eleitores podem abandonar o presidente mais rapidamente do que se imagina. Agora, um terceiro mandato para FHC? Muito difícil. O povo brasileiro continua, ao que parece, querendo as mudanças em que votou nas eleições de 2002.

*Paulo Nogueira Batista Jr. (pnbjr@attglobal.net) é economista e professor da FGV em São Paulo. É autor do livro ''O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional'' (Campus/Elsevier, 2005). Artigo reproduzido da Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br).