Título: Polêmica do luxo atrás das grades
Autor: uiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 15/07/2005, Economia & Negócios, p. A17
As reações à prisão da empresária Eliana Tranchesi, sócia da grife Daslu, abriram uma discussão ética sobre os limites da ação da Polícia Federal de acordo com a classe social dos acusados de crimes. A operação que resultou na apreensão de mais de 60 caixas de documentos na mais badalada referência do consumo de luxo no país causou protestos imediatos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), mas também angariou aplausos. Ontem, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Maurique, lamentou a nota distribuída na véspera pela Fiesp criticando a ação da PF contra a Daslu e seus donos. Para Maurique, a manifestação ''de conhecida entidade empresarial'' é ''resquício do período em que convivíamos com uma distinção entre nobres e servos, estando os nobres acima da lei''. O juiz afirma ainda que a Polícia Federal ''vem agindo, nessa e nas demais operações que investigam sonegação e lavagem de dinheiro, sempre com fundamentos, e elementos de probabilidade da existência do crime''. E acrescenta que ''seria irresponsabilidade não levar em conta, nesse tipo de operação, que o risco das provas dos supostos crimes serem eliminadas é muito grande''.
A nota da Fiesp não citava diretamente a Daslu, mas mostrava preocupação com ''fatos notórios recentes'' que ''revelam situação de anormalidade''. E ressaltava que ''a prisão antecipada de alguém, sem sentença, é extremamente grave, porque todos gozam de presunção de inocência, direito assegurado pela Constituição Federal''.
A chamada Operação Narciso, referência ao vaidoso personagem da mitologia grega, resultou na prisão de Eliana, de seu irmão e sócio, Antonio Carlos Piva Albuquerque, e do contador Celso de Lima, todos acusados de sonegação fiscal e formação de quadrilha. De acordo com as autoridades envolvidas na ação, o trio criou uma rede de firmas laranjas para subfaturar importações de peças das grifes mais famosas do planeta, como Fendi, Gucci, Dolce & Gabbana, Louis Vuitton, Hermenegildo Zegna e Prada. Com isso, o imposto recolhido era mínimo. A fraude causou um rombo de, no mínimo, R$ 10 milhões, mas o valor exato só poderá ser estimado pelos auditores da Receita em seis meses, devido ao grande volume de documentos apreendidos.
Ontem, a Fiesp voltou a criticar a ação e anunciou que vai reunir empresários na próxima segunda-feira para discutir o que considerou ''arbitrariedades da PF''. Confirmaram presença mais de 20 entidades empresariais e trabalhistas.
- Há uma grande diferença entre a invasão de uma loja e de uma favela com criminosos armados. A Fiesp não é contra o combate à sonegação, mas a PF está mais dando show do que investigando - criticou Hélcio Honda, assessor jurídico da Fiesp.
Eliana nem chegou a passar a noite na cadeia. Foi liberada no mesmo dia em que policiais a levaram de sua casa, no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. Ontem mesmo voltou a dar expediente em seu templo do consumismo. Chegou ao meio-dia e saiu às 19h. A loja, que andava deserta desde a inauguração, viveu dia de intensa movimentação de clientes - na maioria, ricos e famosos -, que foram prestar solidariedade à empresária. Eliana recebeu flores e diversos presentes.
A PF informou que não houve excessos e que a operação ocorreu dentro da normalidade, respeitando a intimidade dos envolvidos. O número de agentes (cerca de 240), sustenta, condiz com outros cumprimentos de mandados de busca, apreensão e prisão. Já o Ministério da Justiça considerou que as ações ocorreram ''dentro do rigor da lei e em cumprimento a decisões judiciais''.
Com agências